João Queiroz - Desenhos a carvão
303. ERA UM TEMPO DE DESAMPARO
era um tempo
de desamparo
estrada fora
ia preso à
sujidade das mãos
aos dedos
grossos
levedados
nos campos
as calças
rotas sapatos cambados
um cordel
por cinto
chegava à
aldeia nos dias nublados
sem calor
nem chuva
e batia à
porta dos pobres
menos pobres
à espera de
pão
uma moeda
a sopa fria vinho azedo
esquecera as
violetas
e na face
não havia sorriso
dor acusação
vinha no
orgulho da pobreza
na liberdade
da sombra
o chegar e
partir
sem declinar
nome ou ofício
voltava na privação
e olhava-me
de olhos
apagados
e eu quieto
e hirto tremia
no silêncio
da infância
na meia-luz
da pérgula
toda a culpa
e toda a penúria ardiam em mim
toda a culpa
e toda a penúria ardiam em mim
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