João Queiroz - Sem título (?) (1998)
conduzo o barco pelo desabrigado deserto
e procuro a casa onde a eternidade se demora
pois a peste grassa pela cidade
e ninguém pode entrar ou sair
desse círculo de fogo que protege a doença
evita-lhe a contaminação dos homens
o peso insuportável das orações
as areias batidas de sol contêm um desejo
água que se perde pela fenda aberta
cada nome que a boca pronuncia ao anoitecer
os gestos com que encerravas as trevas
e desenhavas a planície lisa da pele
sarcófago que guarda os restos do amor
de coração contrito e mão arrependida
lanço pétalas sobre o andor vazio
e aguardo o perdão pela violência das palavras
pelo tecido quente das omissões
quem habita o desabitado deserto
sabe escutar a seiva dos cactos
e domar cada demónio embriagado
que a noite amamenta no seio escuro
seio de estrelas perdidas na galáxia
a que deram o nome de um santo
pois todos os santos têm um caminho
- estrada dura e plena de abominação -
e transportam um odor de flores sobre a varanda
ali escutam despidos a voz de deus
entre folhas secas e um rasto de bolor
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