João Queiroz - Sem título (?) (1998)
297. AS PRIMEIRAS FOLHAS TRAZIDAS PELA ÁGUA
as primeiras
folhas trazidas pela água
um rasto de
desolação no calor da tarde
e toda a
história da paixão contida nestas páginas
o fragor com
que ruem as últimas memórias
lembra
multidões exaltadas tomadas pela cólera
intempérie
ardente vestida no desmando do mundo
retomo
sempre o mesmo verso
não
interessa as palavras com que se oculta
a máscara
negra cingida sobre a face
tento
segurá-lo ao papel e prendê-lo
e ele escapa
uma e outra vez
torna-se uma
paisagem bravia
ou uma ruela
mal iluminada na noite
a velocidade
escasseia no ritmo da minha mão
e o verso
esconde-se numa vibração de metal
a geometria
desta cidade confunde-me
ruas
oblíquas e curvas tortuosas enxameiam o coração
rasgam o
território entre a espessura das moradias
morrem num
daqueles becos sem saída
assim vivi a
navegar por cidades desconcertadas
tomei-lhes o
pulso e respirei o ar poluído
ao sentar-me
nos escassos bancos de jardim
por vezes a
cidade queria ser um verso
e cresciam
poemas inúteis feitos em desalinho
uma chuva
ácida sobreposta ao terror da paisagem
a dinastia
dispersa pelas avenidas
as margens
estão infectadas de ervas
copos de
plástico e garrafas partidas
ali sentado
vejo o correr das águas
e os barcos que
deslizam no horizonte
cansei-me da
melancolia
e aguardo
que o silêncio chame por mim
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