segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

161. PALAVRAS

restam-me ainda estas palavras
sem redenção

o jardim cansado
entregou-se à volúpia
do meio-dia
e as sombras que
sobre mim caem
são sílabas tão pobres
que palavra alguma ousará
com elas compor o metro
onde te ouvirei cantar

resta-me ainda a redenção
desta pobreza


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

160. MNEMOSYNE

a memória
que desfolhavas
entre dedos
era um céu
que se abria
para a luz
onde guardavas
rios e segredos


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

159. VENTO

sob a copa da velha tília
em tarde esquecida
deixavas o vento
sombrear o rosto
e desenhar ao de leve
os seios sob
a límpida camisa
de algodão

se o cão rosnava
ou um pássaro
vinha poisar nos ramos
os olhos cerravam-se
e um alvoroço
acendia-se no peito
que trémulo
se abandonava ao vento
como se fora
a carícia desta mão


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

158. TROVA

a labareda ateia
silêncio no bosque
e canta-te
ó promessa
de água

trova tão pura
ao arder no peito
lembra o dia –

irrompe sob a lua
que o anuncia


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

157. A FACE

poisas o corpo
sobre a poeira
e arrasta-te o vento
os cabelos
para trás

a tua face
esse riso tão puro
cresce para
o deserto
que se abre
nestas mãos


domingo, 6 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

156. TERRA BALDIA

a terra baldia
onde ficou o coração
– campo de ervas
ao sol da tarde –
lembra a pele branda
desse corpo
afogueado
de água e mar


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

155. CIFRA

a mão que poisarei
em tua pele
treme
ondula ao fogo
respira na ânsia
dessa solidão

se uma ave canta
se arde lentamente
como um segredo –
tudo estremece
desprende-se
voa para o silêncio

– decifra-te em mim

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

154. RUMOR DA NOITE

o rumor da noite crescia
então o sol chegava
e a porosa madrugada
anunciava sereno o dia

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

153. CADERNO AZUL

o caderno azul
onde guardavas orações
restos de cartas
o espinho de algum amor
soçobrou ao cair da tarde

um raio vindo da planície
tomou-o por dentro
e as palavras
com que falavas a deus
essas linhas de amor esquecido
são agora cinza
na fria luz de janeiro


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

152. ORFEU E EURÍDICE

caminhemos pelo prado
eurídice
o sol a bater na face
o que resta da morte
a arder em silêncio

se a névoa vier
como orfeu
sentar-me-ei por terra
e escutarei o grito
que rouba da minha
a tua mão

domingo, 23 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

151. CLARIDADE

os dias agora são mais claros

trazem pequenas confidências
envoltas na névoa matinal

trazem um resto de inverno
ninguém o quererá

mais claros são agora os dias

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

150. ESPERO

sento-me e espero
a noite a luz
essa voz
o clamor do frio
no deserto
da tarde

espero

domingo, 16 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

149. SILÊNCIO

aquela beleza vinha
breve como um incêndio

o vento ardia
e nos campos
a cotovia cantava
no alpendre do silêncio

sábado, 8 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

148. VER

ali ficava
a ver o mar
a saia a ondular
batida pela areia

por vezes
inclinava-se
tocada pela inocência
outras
dizia algumas palavras

então as ondas adormeciam
na planície azul
onde setembro
se afastava

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

147. SENTADO

todas as tardes
vinhas com prenúncio
de anoitecer

sentado
esperava a água da fonte
um murmúrio no jardim
o vento que soprava
quando queria

domingo, 2 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

146. FLOR

havia entre as flores
uma sem nome
ali abrigava-se
a esperança

se chovia se nevava
se a noite vinha
sobre o dia
era sob ela
que alguém cantava

sábado, 1 de janeiro de 2011

Deus

Deus. Terrível palavra onde escondemos as nossas cobardias. Máscara onde se ocultam traições. Quando chegará a hora onde o coração puro não precisará de tal palavra? Agora, o viandante virou hereje? Mas não será a maior das heresias fazer de Deus um vocábulo, essa capa onde o coração se dissimula?

Poemas do Viandante

145. ASSOMBRO

não sei do assombro
outra morada
apenas essa
onde te escondes
e chamas pelo meu nome
como se nele
residisse a sombra
ou o fogo que arde
no deserto
ao entardecer

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

144. OLHAR

pouso a mão
sobre o tampo da mesa
e deixo deslizar pelo pânico
o olhar que se abre
no coração

a terra fria e desolada
queima-me os olhos
e como um grito
que cruza a noite
desagua na folha curva
o rumor da solidão

domingo, 19 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

143. INCÊNDIO DE PEDRA

um incêndio de pedra
adormeceu na seda
onde a noite se cobria

um arcanjo cantava
para que do fogo
viesse lento o dia

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

142. JUSTIÇA

as pétalas de seda
que atiravam sobre quem passava
o som dos tambores ao longe
a promessa nunca paga

do que somos cúmplices
ainda não o sabemos

enumeramos crimes
pétalas caídas
juras por cumprir

quando ele vier
saberemos o que nos cabe
o peso das nuvens
a leve misericórdia
que não merecemos

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

141. CORAÇÃO

se o coração pulsar
quando vier a noite
e assustado correr
batendo portas
riscando a giz e carvão
paredes ávidas de sinais

se o coração calar
a mágoa dessa ausência
o deserto de minha alma
quando espero e não vens

se assim se calar
ressoará ainda na terra árida
o exausto coração?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

140. AMOR

a prova do amor
a longa noite
onde o corpo arde
e a terra crepita
sob os teus olhos
silenciosos

à luz da cítara

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

139. METÁFORAS

tristes e pobres
as metáforas
que me couberam

vieram até mim
e tocaram-me com
os dedos esquálidos
de quem foge
à luz da madrugada

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

138. AZUL

o azul desprendia-se do céu e
caía em flocos
sobre praças e rios
caía pelos cabelos
de mulheres exaustas
caía nos bosques verdes
de musgos sombrios
o azul que do céu se desprendia

sábado, 27 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

137. RECOLHIMENTO

recolho-me na tarde
o sol mortiço
ainda lembra o alvoroço
com que os dias grandes
eram recebidos

a luz não mais terminava
a noite hesitava chegar
o véu que da memória vinha
quebrava o embaraço
com que esperava

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

136. PALAVRA

essa palavra tão elementar
rio nocturno
a brilhar na distância
que vai do medo
à solidão

com ela falavas
do sofrimento
esse estranho ardor
mais próximo do abandono
mais próximo do verão
ofício de silêncio
no segredo que esconde o
frio fogo do amor

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

135. FRIO

veio o frio
sobre a distância
que separa
veio cego
e de mão decepada
lança uma chama
de vidro
como se a vida fora
uma rosa esquecida
no coração
da madrugada

domingo, 21 de novembro de 2010

Cântico

Se um deus em mim um canto rememora
é para que da luz da tarde esqueça
o fulgor insensato, ela o derrama,
e da vida só sombras me devorem.

Canto, sagrado canto, eu te oiço,
quando passam as nuvens frias do céu.
O Verão breve foi e desse Outono
ténue luz desfolhada arde e se vai.

Leve, de mim se afasta, se encobre
na floresta sombria e opaca, o pássaro
que da ventura o nome sempre sabe.
Olho-o. Vendo-me, logo se ergue e voa.

Arrasto pelo chão os dedos feridos,
mas a morte tão longe ainda vem,
mesmo que sobrevenha neste instante,
tão tarde ela será para que a cante.