Willi Baumeister - Salto sobre el agua (1934)
Naquele tempo, por ocasião de
uma festa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém. Em Jerusalém, junto à Porta das
Ovelhas, há uma piscina, em hebraico chamada Betzatá. Tem cinco pórticos, e
neles jaziam numerosos doentes, cegos, coxos e paralíticos. Estava ali um homem
que padecia da sua doença há trinta e oito anos. Jesus, ao vê-lo prostrado e
sabendo que já levava muito tempo assim, disse-lhe: «Queres ficar são?» Respondeu-lhe
o doente: «Senhor, não tenho ninguém que me meta na piscina quando se agita a
água, pois, enquanto eu vou, algum outro desce antes de mim». Disse-lhe Jesus:
«Levanta-te, toma a tua enxerga e anda.» E, no mesmo instante, aquele homem
ficou são, agarrou na enxerga e começou a andar. Ora, aquele dia era de sábado.
Por isso os judeus diziam ao que tinha sido curado: «É sábado e não te é
permitido transportar a enxerga.» Ele respondeu-lhes: «Quem me curou é que me
disse: 'Toma a tua enxerga e anda'.» Perguntaram-lhe, então: «Quem é esse homem
que te disse: 'Toma a tua enxerga e anda'?» Mas o que tinha sido curado não
sabia quem era, porque Jesus se tinha afastado da multidão ali reunida. Mais
tarde, Jesus encontrou-o no templo e disse-lhe: «Vê lá: ficaste curado. Não
peques mais, para que não te suceda coisa ainda pior.» O homem foi-se embora e
comunicou aos judeus que fora Jesus quem o tinha curado. E foi por isto, por
Jesus realizar tais coisas em dia de sábado, que os judeus começaram a
persegui-lo. (João 5,1-16) [Comentário
de Jean Tauler aqui]
Dois acontecimentos marcam o texto de João escolhido para o dia de
hoje. O início da perseguição de Jesus pelos judeus, perseguição justificada
pelo hipotético desrespeito do sábado, e a cura do paralítico, que teria sido a
ocasião desse desrespeito. A cura é o núcleo central da narrativa e a causa que
gera a reacção dos judeus. Por isso, merece uma atenção especial. Uma antiga paralisia
toma conta de um homem. Um homem que se encontra na mais pura expectativa. A
leitura pode ser literal, mas o texto tem uma tão grande densidade semântica
que permite múltiplos caminhos de compreensão.
O que significa uma cura? Literalmente, a passagem de um estado
patológico para um estado saudável, a restauração de uma natureza que pode ter
nascido corrompida ou ter-se tornado, em vida, corrupta. Como se manifesta essa
corrupção? Pela paralisia, pela prostração. O campo da experiência deste estado
patológico é muito mais amplo do que a paralisia física. A perplexidade
espiritual, a prostração do ânimo, a ausência de um caminho, a falta de alguém
que guie (figurada na ausência de alguém que coloque o doente na piscina).
Paralíticos são todos aqueles que se perdem no caminho, que tomam como oriente
aquilo que os seduz, os que não são capazes de mergulhar na água viva da vida,
mesmo que pareçam ter uma existência fulgurante. Em última análise, paralíticos
somos todos nós, pois estamos à beira da água, na fronteira da vida, e não
conseguimos entrar nela pelo nosso esforço nem temos quem nos dirija.
Como se manifesta a cura do paralítico? No facto dele ter começado a
andar, de se ter posto a caminho, mas também em ter tomado a enxerga, aquilo
que era o símbolo da sua impotência, o instrumento que o prendia ao estado
patológico, à paralisia. Aquilo que prende o homem, o que não o deixa encontrar
o caminho não é algo que tenha um valor intrínseco. Não passa de coisa
meramente instrumental, que podemos pegar e transportar ou, se for esse o caso,
abandonar em qualquer lugar.
O poder curativo, a força que permite a transição não é outra senão a
força da palavra. É a escuta da palavra que ecoa no mais fundo de cada um. A
questão decisiva está na predisposição de, a qualquer hora, o homem se tornar
disponível para essa escuta. O que o cristianismo veio trazer, como o comprova
o texto de João, foi essa terapia pela palavra, o exercício da escuta, a
aprendizagem do silêncio para que o Verbo fale. A palavra agora não é mero
mandamento e sinal de uma obrigação. A palavra é interpelação que visa a
restauração do ser. Algo ou alguém fala no íntimo de cada um, interpela-o,
questiona-o na sua patologia e abre-o para a vida. Como escreveu João, No princípio era o Verbo.
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