Thomas Cole - Cruz ao entardecer (1848)
Naquele tempo, alguns que tinham
ouvido as palavras de Jesus diziam no meio da multidão: «Ele é realmente o
Profeta.» Diziam outros: «É o Messias.» Outros, porém, replicavam: «Mas pode lá
ser que o Messias venha da Galileia?! Não diz a Escritura que o Messias vem da
descendência de David e da cidade de Belém, donde era David?» Deste modo,
estabeleceu-se um desacordo entre a multidão, por sua causa. Alguns deles
queriam prendê-lo, mas ninguém lhe deitou a mão. Depois os guardas voltaram aos
sumos sacerdotes e aos fariseus, que lhes perguntaram: «Porque é que não o
trouxestes?» Os guardas responderam: «Nunca nenhum homem falou assim!» Replicaram-lhes
os fariseus: «Será que também vós ficastes seduzidos? Porventura acreditou nele
algum dos chefes, ou dos fariseus? Mas essa multidão, que não conhece a Lei, é
gente maldita!» Nicodemos, aquele que antes fora ter com Jesus e que era um
deles, disse-lhes: «Porventura permite a nossa Lei julgar um homem, sem antes o
ouvir e sem averiguar o que ele anda a fazer?» Responderam-lhe eles: «Também tu
és galileu? Investiga e verás que da Galileia não sairá nenhum profeta.» E cada
um foi para sua casa. (João 7,40-53)
[Comentário
do Concílio Vaticano II aqui].
Quem é aquele que fala? A controvérsia gerada perante a figura de Cristo
transporta-nos para o centro de um problema de identificação. Será um profeta?
Será o Messias? Será um embusteiro? Será um sedutor? O que está em causa não é
a identidade daquele que fala. Esse sabe quem é e ao que veio. A controvérsia
que a narrativa documenta remete para a nossa relutância em identificá-lo.
Por que motivo terão os homens tanta dificuldade na identificação? O
texto desenha um conflito entre dois caminhos de identificação. O da escuta da
palavra e o da observação de sinais exteriores. Estes caminhos diferem em
absoluto. O primeiro é o da abertura ao logos,
o segundo radica numa atitude inspectiva de carácter policial. De um lado,
temos a humildade como a condição de possibilidade de identificar a verdade que
a palavra traz consigo. Do outro, encontramos o poder fundado na arrogância do
saber, como se depreende das palavras que são dirigidas a Nicodemos: Investiga e verás que da Galileia não sairá
nenhum profeta.
Perante qualquer palavra, fundamentalmente perante a Palavra, é
necessário que o homem se disponha a escutá-la. A escuta é a fase que antecede
o acolhimento da palavra, a constatação de que ela está – ou não – na verdade, que
ela traz consigo o verdadeiro. Acolhimento significa disponibilidade para se
fundir nessa palavra, para a fazer viver em si. É isto que a visão inspectiva
do poder não compreende, pois está fundada na pura exterioridade e na
arbitrariedade dos sinais. A identificação do Messias não depende, assim, nem
do poder nem do saber, mas da pura disponibilidade para o acolhimento.
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