sábado, 16 de março de 2013

O problema da identificação

Thomas Cole - Cruz ao entardecer (1848)

Naquele tempo, alguns que tinham ouvido as palavras de Jesus diziam no meio da multidão: «Ele é realmente o Profeta.» Diziam outros: «É o Messias.» Outros, porém, replicavam: «Mas pode lá ser que o Messias venha da Galileia?! Não diz a Escritura que o Messias vem da descendência de David e da cidade de Belém, donde era David?» Deste modo, estabeleceu-se um desacordo entre a multidão, por sua causa. Alguns deles queriam prendê-lo, mas ninguém lhe deitou a mão. Depois os guardas voltaram aos sumos sacerdotes e aos fariseus, que lhes perguntaram: «Porque é que não o trouxestes?» Os guardas responderam: «Nunca nenhum homem falou assim!» Replicaram-lhes os fariseus: «Será que também vós ficastes seduzidos? Porventura acreditou nele algum dos chefes, ou dos fariseus? Mas essa multidão, que não conhece a Lei, é gente maldita!» Nicodemos, aquele que antes fora ter com Jesus e que era um deles, disse-lhes: «Porventura permite a nossa Lei julgar um homem, sem antes o ouvir e sem averiguar o que ele anda a fazer?» Responderam-lhe eles: «Também tu és galileu? Investiga e verás que da Galileia não sairá nenhum profeta.» E cada um foi para sua casa. (João 7,40-53) [Comentário do Concílio Vaticano II aqui].

Quem é aquele que fala? A controvérsia gerada perante a figura de Cristo transporta-nos para o centro de um problema de identificação. Será um profeta? Será o Messias? Será um embusteiro? Será um sedutor? O que está em causa não é a identidade daquele que fala. Esse sabe quem é e ao que veio. A controvérsia que a narrativa documenta remete para a nossa relutância em identificá-lo.

Por que motivo terão os homens tanta dificuldade na identificação? O texto desenha um conflito entre dois caminhos de identificação. O da escuta da palavra e o da observação de sinais exteriores. Estes caminhos diferem em absoluto. O primeiro é o da abertura ao logos, o segundo radica numa atitude inspectiva de carácter policial. De um lado, temos a humildade como a condição de possibilidade de identificar a verdade que a palavra traz consigo. Do outro, encontramos o poder fundado na arrogância do saber, como se depreende das palavras que são dirigidas a Nicodemos: Investiga e verás que da Galileia não sairá nenhum profeta.

Perante qualquer palavra, fundamentalmente perante a Palavra, é necessário que o homem se disponha a escutá-la. A escuta é a fase que antecede o acolhimento da palavra, a constatação de que ela está – ou não – na verdade, que ela traz consigo o verdadeiro. Acolhimento significa disponibilidade para se fundir nessa palavra, para a fazer viver em si. É isto que a visão inspectiva do poder não compreende, pois está fundada na pura exterioridade e na arbitrariedade dos sinais. A identificação do Messias não depende, assim, nem do poder nem do saber, mas da pura disponibilidade para o acolhimento.

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