Vincent Van Gogh - The Red Vineyard (1888)
Naquele tempo, disse Jesus aos
príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo: «Escutai outra parábola: Um
chefe de família plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar,
construiu uma torre, arrendou-a a uns vinhateiros e ausentou-se para longe. Quando
chegou a época das vindimas, enviou os seus servos aos vinhateiros, para
receberem os frutos que lhe pertenciam. Os vinhateiros, porém, apoderaram-se
dos servos, bateram num, mataram outro e apedrejaram o terceiro. Tornou a
mandar outros servos, mais numerosos do que os primeiros, e trataram-nos da
mesma forma. Finalmente, enviou-lhes o seu próprio filho, dizendo: 'Hão-de
respeitar o meu filho.’ Mas os vinhateiros, vendo o filho, disseram entre si:
'Este é o herdeiro. Matemo-lo e ficaremos com a sua herança.’ E, agarrando-o,
lançaram-no fora da vinha e mataram-no. Ora bem, quando vier o dono da vinha,
que fará àqueles vinhateiros?» Eles responderam-lhe: «Dará morte afrontosa aos
malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros que lhe entregarão os frutos
na altura devida.» Jesus disse-lhes: «Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que
os construtores rejeitaram transformou-se em pedra angular? Isto é obra do
Senhor e é admirável aos nossos olhos? Por isso vos digo: O Reino de Deus
ser-vos-á tirado e será confiado a um povo que produzirá os seus frutos. Os
sumos sacerdotes e os fariseus, ao ouvirem as suas parábolas, compreenderam que
eram eles os visados. Embora procurassem meio de o prender, temeram o povo, que
o considerava profeta. (Mateus 21,33-43.45-46)
[Comentário de Ireneu de Lyon aqui]
O confronto de Jesus com fariseus e sumos sacerdotes sublinha que alguma
coisa se tinha perdido na tradição de Israel. Os representantes intelectuais e
sacerdotais dessa tradição não entregavam o fruto a quem de direito. Na verdade,
o seu saber erudito e a sua praxis religiosa tornaram-se meras formas secas, de
onde o espírito e a vida tinham sido expulsos. A tradição mosaica
transformara-se em letra morta e a vida dos homens, sem o fruto que lhes era
devido, secava, perdia o rumo, abria-se à errância.
O texto vai mais longe na disputa com os representantes da tradição de
Israel. Eles não são apenas acusados de não dar fruto. São acusados de se terem
apropriado daquilo que não lhes pertencia e de o terem assassinado. A rejeição
da pedra angular não é um rejeição fundada na ignorância mas no deliberado não
reconhecimento da Verdade, numa vontade de falsificar a realidade e de impor
uma normatividade a que nenhuma vida já animava. O Reino já não era por eles
convenientemente administrado.
O confronto central joga-se, deste modo, entre a forma vazia e a vida
plena. Não é que as formas morais, religiosas e espirituais sejam destituídas
de importância. Contudo, quando tomadas por si mesmas, quando se separam da
vida – e por vida há que entender uma ampla gama que vai do espírito ao corpo –
deixam de dar fruto. Fórmulas ocas e rituais vazios matam o espírito,
expulsam-no, não permitem que ele se derrame sobre os homens e os faça viver
nele.
Mas sempre que o espírito e a vida são rejeitados transformam-se noutro
momento e noutro lugar na pedra angular de um novo edifício, de uma nova
comunidade e forma de vida, que possa produzir novos frutos, para que a tradição
persista numa nova figura.
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