Giorgio de Chirico - O Profeta (1915)
Naquele tempo, Jesus veio a
Nazaré e falou ao povo na sinagoga: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem
recebido na sua pátria. Posso assegurar-vos, também, que havia muitas viúvas em
Israel no tempo de Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses
e houve uma grande fome em toda a terra; contudo, Elias não foi enviado a
nenhuma delas, mas sim a uma viúva que vivia em Sarepta de Sídon. Havia muitos
leprosos em Israel, no tempo do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi purificado
senão o sírio Naaman.» Ao ouvirem estas palavras, todos, na sinagoga, se
encheram de furor. E, erguendo-se, lançaram-no fora da cidade e levaram-no ao
cimo do monte sobre o qual a cidade estava edificada, a fim de o precipitarem
dali abaixo. Mas, passando pelo meio deles, Jesus seguiu o seu caminho. (Lucas 4,24-30) [Comentário de João
Crisóstomo aqui]
Dois temas ligam-se no texto de Lucas. O da verdade e o do acolhimento.
O tema da verdade surge logo no início do discurso de Cristo ao povo na
sinagoga de Nazaré: Em verdade vos digo.
Esta fórmula sublinha o lugar de onde o discurso é proferido e este lugar é o
da verdade. O tema da verdade é de imediato retomado quendo é dito: Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria.
O profeta é aquele que transporta uma verdade e a revela. É o portador e
revelador da verdade que não é bem recebido na sua pátria, que não é
reconhecido como tal. O problema do reconhecimento da verdade – um tema crucial
nos dias de hoje e que a cultura actual, seja numa visão moderna ou numa visão
pós-moderna, desvaloriza – conduz directamente ao tema do acolhimento.
Este acolhimento não é a mera recepção, mas contém em si a ideia de
abrigo e de refúgio. A verdade mostra-se aqui na sua plena fragilidade e
pobreza. E é esta sua natureza que faz com que nenhum profeta seja bem recebido
na sua pátria. A verdade não pertence à esfera do poder, não traz com ela o
conjunto de superstições ou de violências com que o poder compra a sua recepção
em cada pátria. O poder da verdade é um não-poder, é exposição da sua
fragilidade e humildade. É esta sua natureza que requer acolhimento que seja
abrigo contra as intempéries e refúgio contra as perseguições.
Apesar da fragilidade da verdade perante as potências do mundo, apesar
das perseguições de que é alvo, ela seguirá o seu caminho, de acolhimento em
acolhimento, de refúgio em refúgio. O confronto entre a verdade e a utilidade,
subjacente à recepção irada de Jesus pelos nazarenos, continua tão vivo hoje
como naqueles dias. A fácil promessa de
uma felicidade geral, animada pelo princípio de utilidade, continua a exercer a
sua função idolátrica, alimentando a alienação do homem pelas superstições do
mundo. Acolher a verdade, abrigá-la e dar-lhe refúgio continua a ser um sinal
que as pátrias, diversas que elas sejam, recusam a fazer. O destino da verdade
é a sua expatriação contínua, a busca de um abrigo, a viagem a que foi condenada por aqueles que estão eles mesmo na mais pura e radical das errâncias.
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