Egon Schiele - The Truth Unveiled (1913)
Naquele tempo, Jesus percorria a
Galileia, evitando andar pela Judeia, visto que os judeus procuravam matá-lo. Estava
próxima a festa judaica das Tendas. Contudo, depois de os seus irmãos partirem
para a festa, Ele partiu também, não publicamente, mas quase em segredo. Então,
alguns de Jerusalém comentavam: «Não é este a quem procuravam, para o matar? Vede
como Ele fala livremente e ninguém lhe diz nada! Será que realmente as
autoridades se convenceram de que Ele é o Messias? Mas nós sabemos donde Ele é,
ao passo que, quando chegar o Messias, ninguém saberá donde vem.» Entretanto,
Jesus, ensinando no templo, bradava: «Então sabeis quem Eu sou e sabeis donde
venho?! Pois Eu não venho de mim mesmo; há um outro, verdadeiro, que me enviou,
e que vós não conheceis. Eu é que o conheço, porque procedo dele e foi Ele que
me enviou.» Procuravam, então, prendê-lo, mas ninguém lhe deitou a mão, pois a
sua hora ainda não tinha chegado. (João
7,1-2.10.25-30) [Comentário de João da Cruz aqui]
De onde procede o Cristo? Contrariamente ao que os homens julgavam,
não sabem quem enviou Aquele que agora perseguem. Na economia do texto, o tema
da perseguição vem em primeiro lugar, enquadrado na tensão entre o público e o
secreto. O quase em segredo envia-nos para uma zona de fronteira onde o Cristo
de desloca. Esta tensão é dada entre o advérbio φανερως
(de modo aberto, publicamente, claramente) e o adjectivo κρυπτω (escondido,
oculto, em segredo). O seu modo de ir, de agir, não é assim o da praça pública
mas o quase oculto, quase secreto, não porque assim tenha que ser, mas porque
as condições, dadas na perseguição de que é alvo, o impõem.
É nesta zona de sombra, na fronteira entre o
privado e o público, que o Cristo se desloca e fala, identificando-se. Ele é o
enviado. O enviado de quem? Daquele que os homens não conhecem, que só Ele, o
enviado, conhece. E quem é esse que O envia? A palavra grega αληθινος diz-nos
que aquele que o envia é o verdadeiro. O que pode o Verdadeiro enviar? Apenas a
Verdade.
Compreende-se por que motivo a Verdade, aquilo
que o Verdadeiro nos envia, tenha de agir na fronteira do público e do privado,
do manifesto e do oculto. A Verdade não encontra nos homens acolhimento. Pelo
contrário, está ameaçada de morte. A Verdade do homem é-lhe insuportável e,
nessa medida, ela não se pode manifestar com toda a clareza, não pode deixar
que a luz do meio-dia caia sobre ela.
Há o drama histórico de Cristo perseguido
pelos homens, mas para além dele há a dimensão simbólica que nos coloca perante
um problema fundamental. Por que motivo, para nós homens, a verdade é tão
difícil? O que tem ela que nos faça estremecer e negar a sua evidência? Por que
a obrigamos a vir naquela fronteira entre o público e o secreto? Para além
desta dificuldade, há uma segunda. A Verdade não vem de si mesma, foi enviada
pelo Verdadeiro. Encontrar a Verdade ainda não é o suficiente. É apenas o
começo da via para se tornar verdadeiro, para se confrontar com a sua real
natureza, aquela que a tradição presente no Génesis
diz ser feita à imagem e semelhança do Verdadeiro.
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