Max Klinger - Sacrifício
Naquele tempo, aproximou-se de
Jesus um escriba e perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» Jesus
respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor;
amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com
todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. O segundo é este: Amarás o
teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» O
escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e
não existe outro além dele; e amá-lo com todo o coração, com todo o
entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais
do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» Vendo que ele respondera
com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais
ousava interrogá-lo. (Marcos 12,28b-34)
[Comentário de Teresa de Calcutá aqui]
Uma das cifras possíveis para a hermenêutica deste texto de Marcos
reside nas palavras holocaustos e sacrifícios, proferidas pelo escriba. Holocaustos
e sacrifícios eram elementos estruturais das várias religiões. O sangue da
vítima emissária era visto como tendo poder para aplacar a fúria divina, isto
é, para aplacar uma dada crise surgida na sociedade dos homens. Cristo faz
notar que o essencial da religião, porém, é o amor a Deus e ao próximo como a
si mesmo. E é este duplo amor que é reconhecido como tendo mais valor do que
qualquer holocausto ou sacrifício.
Sublinha-se assim um processo de transformação crítica da praxis religiosa. A imolação da vítima é
substituída pelo amor. A aniquilação do valor dos sacrifícios de sangue estava
praticamente consumada. Faltava o acto último de abolição dessas práticas
sacrificiais, o sacrifício do próprio Cristo. No entanto, a abolição do sacrifício
de sangue não significa a pura e simples abolição de qualquer sacrifício. O
texto, tomado na completude do diálogo entre Jesus e o escriba, deixa
compreender uma outra forma de sacrifício, o amor.
O amor a Deus, para o qual se devem mobilizar todas as faculdade do
homem (o coração, a alma, o entendimento e a vontade), é ainda um acto
sacrificial e purificador dessas faculdades. Por norma, o homem deixa-se
arrastar para a errância fazendo um uso limitado desses poderes,
concentrando-os no acessório, no privado e naquilo que o aliena. O amor
incondicional a Deus é o mais estranho e exigentes dos sacrifícios, aquele que
contraria as nossas pulsões para o amor próprio.
Também o amor ao próximo contradiz a tendência egoísta presente em
cada um de nós. Nos grupos humanos, a rivalidade entre os particulares
desencadeava crises que apenas o sacrifício, muitas vezes de uma vítima humana,
punha cobro. O texto de Marcos assinala uma transformação da função
sacrificial. De resolução de uma crise, o sacrifício, fundado no amor a Deus e
ao próximo, torna-se prevenção de conflitos, abertura ao outro e à vida em
comum.
"A imolação da vítima é substituída pelo amor."
ResponderEliminarO sacrificio continua a fazer parte da vida do Cristão, mas na forma de amor ao Deus, tão exigente, em vez de sangue do próprio.
"Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes", afinal, quem consegue amar Deus, consegue amar todos.
Só assim se quebra a tendência egoista da natureza humana
Do ponto de vista civilizacional, este é um momento central. A substituição do sngue pela purificação e o amor.
Eliminar