domingo, 23 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

151. CLARIDADE

os dias agora são mais claros

trazem pequenas confidências
envoltas na névoa matinal

trazem um resto de inverno
ninguém o quererá

mais claros são agora os dias

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

150. ESPERO

sento-me e espero
a noite a luz
essa voz
o clamor do frio
no deserto
da tarde

espero

domingo, 16 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

149. SILÊNCIO

aquela beleza vinha
breve como um incêndio

o vento ardia
e nos campos
a cotovia cantava
no alpendre do silêncio

sábado, 8 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

148. VER

ali ficava
a ver o mar
a saia a ondular
batida pela areia

por vezes
inclinava-se
tocada pela inocência
outras
dizia algumas palavras

então as ondas adormeciam
na planície azul
onde setembro
se afastava

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

147. SENTADO

todas as tardes
vinhas com prenúncio
de anoitecer

sentado
esperava a água da fonte
um murmúrio no jardim
o vento que soprava
quando queria

domingo, 2 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

146. FLOR

havia entre as flores
uma sem nome
ali abrigava-se
a esperança

se chovia se nevava
se a noite vinha
sobre o dia
era sob ela
que alguém cantava

sábado, 1 de janeiro de 2011

Deus

Deus. Terrível palavra onde escondemos as nossas cobardias. Máscara onde se ocultam traições. Quando chegará a hora onde o coração puro não precisará de tal palavra? Agora, o viandante virou hereje? Mas não será a maior das heresias fazer de Deus um vocábulo, essa capa onde o coração se dissimula?

Poemas do Viandante

145. ASSOMBRO

não sei do assombro
outra morada
apenas essa
onde te escondes
e chamas pelo meu nome
como se nele
residisse a sombra
ou o fogo que arde
no deserto
ao entardecer

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

144. OLHAR

pouso a mão
sobre o tampo da mesa
e deixo deslizar pelo pânico
o olhar que se abre
no coração

a terra fria e desolada
queima-me os olhos
e como um grito
que cruza a noite
desagua na folha curva
o rumor da solidão

domingo, 19 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

143. INCÊNDIO DE PEDRA

um incêndio de pedra
adormeceu na seda
onde a noite se cobria

um arcanjo cantava
para que do fogo
viesse lento o dia

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

142. JUSTIÇA

as pétalas de seda
que atiravam sobre quem passava
o som dos tambores ao longe
a promessa nunca paga

do que somos cúmplices
ainda não o sabemos

enumeramos crimes
pétalas caídas
juras por cumprir

quando ele vier
saberemos o que nos cabe
o peso das nuvens
a leve misericórdia
que não merecemos

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

141. CORAÇÃO

se o coração pulsar
quando vier a noite
e assustado correr
batendo portas
riscando a giz e carvão
paredes ávidas de sinais

se o coração calar
a mágoa dessa ausência
o deserto de minha alma
quando espero e não vens

se assim se calar
ressoará ainda na terra árida
o exausto coração?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Poemas do Viandante

140. AMOR

a prova do amor
a longa noite
onde o corpo arde
e a terra crepita
sob os teus olhos
silenciosos

à luz da cítara

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

139. METÁFORAS

tristes e pobres
as metáforas
que me couberam

vieram até mim
e tocaram-me com
os dedos esquálidos
de quem foge
à luz da madrugada

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

138. AZUL

o azul desprendia-se do céu e
caía em flocos
sobre praças e rios
caía pelos cabelos
de mulheres exaustas
caía nos bosques verdes
de musgos sombrios
o azul que do céu se desprendia

sábado, 27 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

137. RECOLHIMENTO

recolho-me na tarde
o sol mortiço
ainda lembra o alvoroço
com que os dias grandes
eram recebidos

a luz não mais terminava
a noite hesitava chegar
o véu que da memória vinha
quebrava o embaraço
com que esperava

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

136. PALAVRA

essa palavra tão elementar
rio nocturno
a brilhar na distância
que vai do medo
à solidão

com ela falavas
do sofrimento
esse estranho ardor
mais próximo do abandono
mais próximo do verão
ofício de silêncio
no segredo que esconde o
frio fogo do amor

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Poemas do Viandante

135. FRIO

veio o frio
sobre a distância
que separa
veio cego
e de mão decepada
lança uma chama
de vidro
como se a vida fora
uma rosa esquecida
no coração
da madrugada

domingo, 21 de novembro de 2010

Cântico

Se um deus em mim um canto rememora
é para que da luz da tarde esqueça
o fulgor insensato, ela o derrama,
e da vida só sombras me devorem.

Canto, sagrado canto, eu te oiço,
quando passam as nuvens frias do céu.
O Verão breve foi e desse Outono
ténue luz desfolhada arde e se vai.

Leve, de mim se afasta, se encobre
na floresta sombria e opaca, o pássaro
que da ventura o nome sempre sabe.
Olho-o. Vendo-me, logo se ergue e voa.

Arrasto pelo chão os dedos feridos,
mas a morte tão longe ainda vem,
mesmo que sobrevenha neste instante,
tão tarde ela será para que a cante.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Poemas do viandante

134. ROUBO

definha a rosa
se o verão
me roubar
dia e noite
a rendição
desse olhar

Do ponto de partida

Múltiplas são as armadilhas que espreitam o caminho do viandante. Uma das mais obstinadas é a do sentimento de necessidade de um princípio ou ponto de partida. Esse sentimento de necessidade extrema de um princípio seguro obsidia aquele que caminha. Quando se caminha há a estranha sensação de incompletude, de falta, de uma falta originária. A inquietação dissemina-se e o viandante não sabe onde colocar os pés nem qual o lugar que ocupa. Esse sentimento de falta de um princípio toca toda a viagem, fazendo com que ela seja percepcionada como coisa pouco sólida, pois não existe a solidez de um fundamento. Em vez de caminhar, ele fica preso na busca desse princípio originário, desse alicerce sólido que lhe permitiria caminhar com toda a segurança. Mas tudo isto é mera distracção, fuga perante a realidade. E a realidade é crua: não há fundamento, nem ponto de partida, nem solidez ou segurança. A viagem não começou nunca, apenas estamos já nela e não há companhia de seguros que nos assegure um destino ou a tranquilidade da marcha. Há apenas o entregar-se a ela, puro e livre.

sábado, 11 de setembro de 2010

Poemas do viandante

133. DESEJO

furtivo
o nome
que empunhas

crua adaga
que te abre o corpo
para o desejo

nem a luz
o apaga

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Poemas do viandante

132. DISTÂNCIA

o delicado traço
com que desenhas
a palavra

o âmbar inquieto
que ilumina
o coração

assim nasce
a irremediável
distância

que torna perto
a luz que se abra
na escuridão

domingo, 5 de setembro de 2010

Poemas do viandante

131. PROMESSA

até onde chegarão
estas palavras

haverá peso
dentro delas
que as adormeça
ao caminhar

haverá uma promessa
de luz sobre o pântano

a bandeira desfraldada
anuncia o súbito vigor da maré

sábado, 4 de setembro de 2010

Poemas do viandante

130. SE…

a margem infestada
de canas
um barco presume
o restolhar das águas
a noite em flocos
de trigo

se tudo ainda cantasse
ou se as rosas abrissem
o dia pelo cheiro

não haveria pó pelo chão
ou um punho cerrado
coberto pelo ouro
sedicioso
dessa boca fechada
sobre a solidão

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Poemas do viandante

129. A CASA

deste-me uma casa
por desabrigo
ali durmo esperando
que portadas
se abram ou fechem
segundo a vontade
de um senhor
sem nome sem lei
velho arconte
do lago e do rio
das flores abraçadas
pelas mãos recalcitrantes
das carpideiras

deste-me uma casa
nela espero
transido de frio
olhos coagulados
espiões sombrios
olham de longe
ou passam velozes
em relâmpagos de cinza
aí pende o relógio
a casa que me deste

domingo, 29 de agosto de 2010

Poemas do viandante

127. TEMPO (4)

regato arruinado
o jardim
esquecido
sob a sombra
de uma pedra
o granito

se grasna um corvo
se a noite ondula
se a tua voz se cala

rosa
branca rosa
que ave te roubou
o jardim materno

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Poemas do viandante

126. TEMPO (3)

o murmúrio da erva
na terra a arder
a porta que se abre
quando chamas
sombra da sombra
o que resta do coração

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Poemas do viandante

125. TEMPO (2)

a friagem
o outono a trouxe
branca
ilha de sal
e cinza
e calcário

fruto caído
no refúgio
esquecido do
calendário