João Queiroz - Sem título (?)
282. OS CAVALOS MARÍTIMOS SEGUIAM À DESFILADA
os cavalos marítimos seguiam à desfilada
abriam sulcos de fogo e ardósia na superfície do mar
sob a paleta inconstante de um céu amargo e sedicioso
um céu sagrado pelas nuvens e um rasto de tinta branca
com que pintavas a madeira do portão que abria para o quintal
algumas roseiras floriam na lembrança da tarde
e uma flecha de cetim desenhava um rombo no coração
a desordem crescia sobre os dias e os anos
fazia de cada coisa uma recordação breve ou um rasto de luz
à espera da crueldade presa nas mãos
a velha malícia de devolver à vida o que a vida rejeitara
a casa de meus pais era um aquário branco
um santuário de terra fina e flores plácidas
o assombrado desejo de ver a família crescer e multiplicar-se
pratos sobre a mesa e o mar carbonizado ao fundo
aspidistras e sardinheiras à volta do altar
os vidros partidos de algum copo a tilintar no chão
alguém batia à porta para afugentar o medo das águas
o temor reverencial pela brutalidade do destino
a ânsia de ver as rochas sobre as intempéries vindas do oceano
tenho um ofício marítimo herdado de ninguém
conto barcos abandonados na baía
anoto números e cascos velhos desejosos de pintura
e oiço o rugir dos couraçados a antecipar o mês da guerra
colinas marítimas que se aproximam
suspendem o tempo e negam os alvores da madrugada
retido o fôlego o corpo baloiça na água
ouvem-se suspiros e gritos
o trabalhar longínquo das gruas sobre o porto
o rosnar das gaivotas se chega uma traineira
um relâmpago de silêncio crepita pelas águas
desenha o galope aceso do cavalo
e rasga as paredes de todas as casas que habitei
abre-as para o segredo de uma iluminação
para as breves orações que antecediam a páscoa
e o feliz acaso do meu corpo ressuscitar no segredo do teu
abriam sulcos de fogo e ardósia na superfície do mar
sob a paleta inconstante de um céu amargo e sedicioso
um céu sagrado pelas nuvens e um rasto de tinta branca
com que pintavas a madeira do portão que abria para o quintal
algumas roseiras floriam na lembrança da tarde
e uma flecha de cetim desenhava um rombo no coração
a desordem crescia sobre os dias e os anos
fazia de cada coisa uma recordação breve ou um rasto de luz
à espera da crueldade presa nas mãos
a velha malícia de devolver à vida o que a vida rejeitara
a casa de meus pais era um aquário branco
um santuário de terra fina e flores plácidas
o assombrado desejo de ver a família crescer e multiplicar-se
pratos sobre a mesa e o mar carbonizado ao fundo
aspidistras e sardinheiras à volta do altar
os vidros partidos de algum copo a tilintar no chão
alguém batia à porta para afugentar o medo das águas
o temor reverencial pela brutalidade do destino
a ânsia de ver as rochas sobre as intempéries vindas do oceano
tenho um ofício marítimo herdado de ninguém
conto barcos abandonados na baía
anoto números e cascos velhos desejosos de pintura
e oiço o rugir dos couraçados a antecipar o mês da guerra
colinas marítimas que se aproximam
suspendem o tempo e negam os alvores da madrugada
retido o fôlego o corpo baloiça na água
ouvem-se suspiros e gritos
o trabalhar longínquo das gruas sobre o porto
o rosnar das gaivotas se chega uma traineira
um relâmpago de silêncio crepita pelas águas
desenha o galope aceso do cavalo
e rasga as paredes de todas as casas que habitei
abre-as para o segredo de uma iluminação
para as breves orações que antecediam a páscoa
e o feliz acaso do meu corpo ressuscitar no segredo do teu
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