sexta-feira, 1 de junho de 2012

A pobreza mais radical

Jiri Georg Dokoupil - Cuadro de neumáticos beige gris (1991)

Um rasto é aquilo que a vida vivida deixa atrás de si. Por vezes, confundimos a memória, esse estratagema da ilusão de si, com o acontecido. Mas este desvaneceu-se, pulverizou-se, foi deglutido pela gula de Cronos. O que fica são traços, leves sinais, um risco no tampo da mesa, o rasto de pneus no alcatrão da vida. Incapazes de suster o momento, de permanecer perante o instante, sublimamos a nossa impotência olhando o que deixámos para trás ou refugiando-nos na expectativa do que há-de vir. Reside aqui, nessa impossibilidade de coincidir com o tempo onde existimos, todo o desconforto da espécie humana. Por isso, evadimo-nos ora para o passado ora para o futuro, como se fosse impossível fazermos do presente, desse presente pontual onde somos o que somos, a nossa casa. A nossa pobreza, aquela que é mais radical, não se encontra no facto de termos sido pobres ou no de o virmos a ser. Ela reside no simples facto de não encontramos abrigo no tempo presente.

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