sexta-feira, 22 de junho de 2012

Poemas do Viandante (277)

João Queiroz - sem título (?) (2008)

277. HAVIA AINDA UMA LEMBRANÇA DO ÉDEN

há ainda uma lembrança do éden
e a verdade vem pintada nas faces
sem ocultar as rugas
e os sinais de imperfeição que nascem
ou o sorriso melancólico à chegada do calor

a paisagem verde e translúcida
sem casas nem plásticos nas bermas do caminho
sem o odor mutilado pela presença humana
o rasto de quinquilharia exposto
à sentença cruel dos céus

a longa planície anuncia a cordilheira
suspeitam-se pássaros
e um rumor na terra traz o réptil
lentos exercícios na humidade do solo
disparos longínquos no tempo de caça

encosto o ouvido às pedras do chão
e oiço um bater surdo e descompassado no peito
a memória que de ti trazia
agora um papel rasgado em fragmentos de solidão
perdido num lugar onde tudo desaparece

convoco todos os meu mortos
eles apressam-se e perguntam-me o porquê
olho a longínqua cordilheira
o denso matagal imagino-o esverdeado
e sorrio na paz - eles a trazem consigo

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