João Queiroz - Sem título (?)
284. DAQUILO QUE SE SABIA APENAS A CERTEZA DO GRITO
daquilo que se sabia apenas a certeza do grito
um risco tracejado no mármore das encostas
o gesto com que se sentava ao chegar a casa
e esperava que a noite fechasse portas e janelas
para que o vento marítimo sossegasse nas ruas
algumas vielas reflectiam constelações
e um saber ameaçador inscrevia-se nos recantos
onde sem desespero alguém discutia os equinócios
ou analisava a ortodoxia do celibato à luz dos concílios
era todo um saber feito de revoluções
uma epistemologia febril pendia das casas
traçava mapas em plantas inorgânicas
exaustas pelo roubo matinal do pólen
estranhos rictos inundavam as faces dos transeuntes
gente perdida e sem império pela baixa de lisboa
um pregão ouvido na distância do tempo
o exercício de juntar num aqui passado e presente
a linha laminada de onde parte o futuro
depois de aldrin e de armstrong a lua nunca mais foi a mesma
comentou e sentou-se a olhar os céus à espera de chuva
ou de um pássaro nocturno que trouxesse notícias
para lá da montanha tudo é obscuridade e segredo
e se as aves não regressarem pela noite
dos desvarios do mundo pouco saberemos
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