João Queiroz - Sem título (2009)
276. VIERAM DIAS TURBULENTOS
vieram dias turbulentos
tempestades sobre o mar
um rasto de vidros partidos
a pressa dos cães pela madrugada
anúncio de cinza e naufrágio
a dissolução dos elementos crescia
tracejava o horizonte de luzes
uma mulher chorava debruçada no cais
e tudo se esgotava na perfeição
com que as tuas mãos fechavam as janelas
quantas vezes seleccionava uma sintaxe
traçava uma armadura
e compunha a imagem revestindo-a de sílabas
baldes de areia e esperanças fugazes
na luz do meio-dia
ainda não peço dinheiro emprestado
mas cansa-me a realidade
a pobreza com que governo o poema
a espera dolorosa e fria
de uma traição em cada esquina
pudesse o meu coração amar
ainda que fosse a sombra da sombra de Deus
e o ritmo do sangue ao coagular
seria mais lento e mais distante
da gramática onde a morte se compõe
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