João Queiroz - Sem título (?)
283. VEJO A IMAGEM DO POEMA SOBRE A ÁGUA
vejo a imagem do poema sobre a água
o doloroso exercício de conjugar as parcelas do mundo
recolhê-las na concha de algum molusco
e fazê-las sair para o palco sob a ordem ali criada
o lodo das águas escorria pela areia
e se caminhávamos de mãos dadas pelas rochas
avistávamos a limpidez das casas ao longe
as chaminés onde corria o fumo da incerteza
os dias fustigados pelo vento a semeiam
recolho-me numa dessas casas
para ouvir o bater do mar na praia e sonhar
um exercício de melancolia de quem envelhece
sente o corpo preso aos desacertos do tempo
o lodo das águas escorria pela areia
e se caminhávamos de mãos dadas pelas rochas
avistávamos a limpidez das casas ao longe
as chaminés onde corria o fumo da incerteza
os dias fustigados pelo vento a semeiam
recolho-me numa dessas casas
para ouvir o bater do mar na praia e sonhar
um exercício de melancolia de quem envelhece
sente o corpo preso aos desacertos do tempo
as articulações esquecidas da antiga mobilidade
agora arame farpado doente pelo óxido de ferro
vindo na inclemência do uso ou na acidez das chuvas
sonho deitado na areia um corpo de mulher
a incerteza da pele sob a inspecção dos dedos
o murmúrio da voz na quietação da manhã
não lhe vejo a idade
apenas amo esse corpo na fragrância de mulher
ele a traz consigo ao deitar-se e deposita-a em mim
e espera o momento onde corro a cortina
e num passo de dança o tomo de assalto
as muralhas há muito caídas
espreitam ao longe a ondulação daqueles seios
o torpor voraz com que se entregam
folhas mortas de outono
num tempo esquecido de vindimas
poiso os óculos e descanso no húmus da terra
o livro entreaberto descai
mistura com o pó as folhas mortas e algumas formigas
enquanto a cidade rumoreja ao fundo
zumbe na distância monstruosa com que se afasta
escondendo o pensamento que a devora
deixando casas e carros carcomidos pelas ruas
os jardins secos e ávidos de amantes
o tribunal fechado e a comarca suspensa
oiço um longo elogio às tempestades matinais
mas recolho-me na fímbria da água
e deixo de lado a contabilidade dos frutos
as pêras e maçãs perdidas a laranjeira seca
os alvores do mundo que ardem no fundo da minha alma
sentado e solene sou um gato a cismar no poema
as palavras entreabertas dão para o teu quarto
e pé ante pé aproximo-me febril e cheio de música
e entro-te no corpo para anunciar a madrugada
agora arame farpado doente pelo óxido de ferro
vindo na inclemência do uso ou na acidez das chuvas
sonho deitado na areia um corpo de mulher
a incerteza da pele sob a inspecção dos dedos
o murmúrio da voz na quietação da manhã
não lhe vejo a idade
apenas amo esse corpo na fragrância de mulher
ele a traz consigo ao deitar-se e deposita-a em mim
e espera o momento onde corro a cortina
e num passo de dança o tomo de assalto
as muralhas há muito caídas
espreitam ao longe a ondulação daqueles seios
o torpor voraz com que se entregam
folhas mortas de outono
num tempo esquecido de vindimas
poiso os óculos e descanso no húmus da terra
o livro entreaberto descai
mistura com o pó as folhas mortas e algumas formigas
enquanto a cidade rumoreja ao fundo
zumbe na distância monstruosa com que se afasta
escondendo o pensamento que a devora
deixando casas e carros carcomidos pelas ruas
os jardins secos e ávidos de amantes
o tribunal fechado e a comarca suspensa
oiço um longo elogio às tempestades matinais
mas recolho-me na fímbria da água
e deixo de lado a contabilidade dos frutos
as pêras e maçãs perdidas a laranjeira seca
os alvores do mundo que ardem no fundo da minha alma
sentado e solene sou um gato a cismar no poema
as palavras entreabertas dão para o teu quarto
e pé ante pé aproximo-me febril e cheio de música
e entro-te no corpo para anunciar a madrugada
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