sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Paz e liberdade


A longa análise que Michel Foucault, em É Preciso Defender a Sociedade, faz das posições do conde Henri de Boulanvilliers acaba por fazer pensar, mais uma vez, na difícil relação que o Cristianismo tem com a história e a política. A ideia central de Boulanvilliers, segundo a leitura foucaultiana, reside em ver o desenvolvimento tanto do direito como da política como uma forma de continuação da guerra e do direito de conquista. Contrariamente ao que dirá posteriormente Clausewitz, a norma pressuposta é que a política seja a continuação da guerra por outros meios. Também a liberdade, para o aristocrata francês do século XVII, reside no poder de limitar a liberdade dos outros, i. e., de submeter os mais fracos. Estas duas ideias são centrais no argumentário de Boulanvilliers a favor das prerrogativas  da aristocracia franca sobre os derrotados gaulo-romanos (que constituiriam o terceiro estado) e contra a pretensão absolutista da monarquia francesa.

Ora aquilo que Cristo traz ao mundo é um princípio de paz contra o direito e a supremacia fundados na guerra, bem como uma liberdade cuja finalidade é a libertação de tudo aquilo que cativa o espírito do homem e o subjuga. Paz e liberdade (entendida como desapego, segundo Eckhart) que cada um deve realizar na sua existência e, através dessa realização pessoal, fazê-las entrar no tecido social e enfrentar a longa tradição da crueldade e da sujeição. Independentemente do comportamento da Igreja, muitas vezes demasiado mundano, o Cristianismo semeou um conjunto de valores que acabaram por fundar, contra a experiência histórica da violência, os princípios de civilidade mais elevados que, até hoje, foram trazidos à humanidade. Que esse mesmo Cristianismo tenha sempre uma relação tensa com a dinâmica social - mesmo, e talvez de forma mais acentuada nesse caso, quando era social e politicamente dominante - não admira, pois nem a paz nem a liberdade, como libertação e desapego, são valores deste mundo. E é este carácter adversarial da religião cristã relativamente à longa tradição histórica que marca um princípio de esperança para os homens, independentemente do comportamento efectivo dos que se dizem cristãos ou da própria instituição que suporta esses valores. Os valores - a paz e a liberdade - estão aí como uma injunção.

Poemas do Viandante


189. SPES (I)
 
vem
e traz o teu ardor
adolescente
sob o véu
que te entardeceu

esperam-te mãos
despidas
e um espírito corsário
no mar bravio
desse corpo
agora meu

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Poemas do Viandante


188. SOPRO
 
o canavial preso
nas areias
ondula
na música soprada
pelo vento

gaivotas vêm
e vão
enquanto no mar
em silêncio
nasce invisível
a sombria sombra
da noite

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Poemas do Viandante

187. FÉ

escavar na areia
o teu nome
e escutar o rumor
dos passos
sobre a água
 
a tempestade
ergue-se na noite
e a palavra
um eco de fogo
canta nas frias
fronteiras
do coração

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Imaginação

Kant divide a imaginação segundo duas funções. Por um lado, a imaginação é reprodutora, pois reproduz a imagem dos fenómenos concatenados pela sensibilidade; por outro, a imaginação é produtora. Ela produz imagens que ultrapassam o domínio fenoménico, embora não sejam mais que a sua recombinação. A natureza poética ou ficcional da imaginação inscreve-se no âmbito da sua função produtora. Mas estará a imaginação humana confinada à repartição entre mimesis e poiesis? Em caso afirmativo, ela estaria confinada à sensibilidade, que lhe forneceria os materiais, e eventualmente à razão, que funcionaria como uma espécie de guarda e que vigiaria os devaneios dessa imaginação.

O que se deve questionar, contudo, é se a imaginação não possuirá uma função comunicacional. Quanto do que imaginamos não se deverá à recepção de uma comunicação? E não se está a referir a comunicação recebida sensorialmente nem a ordenada pelo logos (entendido aqui na sua duplicidade de discurso e razão). Antes, a uma comunicação que resulta de uma comunhão de espírito, de influências voláteis não determináveis sensorialmente ou através da razão. Não será na imaginação que se fundam e alimentam processos como a oração e a meditação? E estes processos não serão actividades comunicacionais? Mesmo a níveis mais triviais, quanto da nossa revêrie e dos nossos devaneios não será comunicações vindas do devaneio e da revêrie de outros que assim nos chamam e nos tocam através da imaginação? A imaginação é a mais misteriosa e a mais global das faculdades humanas. Isto dever-se-á menos às suas capacidades miméticas e poiéticas do que à sua natureza comunicante. É ela que, vinda do mistério da sua natureza, funda a comunhão entre os seres.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Poemas do Viandante

186. IGNORÂNCIA

nada sei do amor
que há em ti
nem da água do rio
– a tua infância –
ou da saudade
que te cabe
na distância
– da terra
o céu separa

fecho os olhos
e poiso a cabeça
nesse regaço
– certamente o teu –
quando o calor traz
o cansaço
que te arde
na sombra límpida
do rosto

domingo, 7 de agosto de 2011

Poemas do Viandante

185. ILUMINAÇÃO

abre a porta
a aurora virá
fazer casa secreta
onde o coração
iluminará
de erva doce
a amarga solidão

sábado, 6 de agosto de 2011

O autor e a obra (4)

Num post anterior foi afirmado que a literatura só existe na suspensão do contacto real entre corpos, na suspensão de um desejo para que um outro se possa instituir. Mas o que poderá acontecer se, de novo, for suspensa a literatura? Poderá a fusão do espírito do leitor e o da obra ser uma ponte não já para um mundo puramente desligado da materialidade do contacto, mas para o encontro entre corpos que, partilhando através da obra um espírito, se poderão eventualmente tocar? Poderá, cruamente, quem lê desejar não apenas o espírito daquilo que lê mas o corpo e o espírito de quem escreveu aquilo que agora é dado a ler?

Essa é uma possibilidade real, a qual comporta equívocos. Neste caso, talvez como em todos os outros, a literatura (diria o mesmo das outras artes, bem como da filosofia e da religião) é apenas um instrumento (uma ponte, uma escada) para um campo alargado da experiência existencial. A suspensão do contacto real que permite uma certa manifestação de eros, poderá agora tornar-se numa potência intensificadora da instauração de um novo desejo erótico, onde os corpos se tocam, se experimentam, se vivem e se abrem para além deles. O fundamental, porém, reside na intencionalidade que se desenha desse hipotético encontro do corpo que escreve com o corpo que lê. Representará uma queda ou uma ascensão?

Aquele que escreve quererá confirmar o seu ego empírico no reflexo de quem lê e quem lê quer o reconhecimento empírico, por parte do que escreve, da sua egoidade? É aqui que se instaura o equívoco fundamental. O deus eros é rebaixado ao nível da pura concupiscência humana, um verdadeiro pecado mortal, onde os egos se procuram a si mesmos, buscam no prazer e na fruição a autoconfirmação, tocados, no fundo, pela necessidade biológica e pela angustiante incerteza sobre a sua efectiva existência. Verdadeira queda daquele espírito que se tinha libertado através da literatura. Queda nos domínios biopsicológicos que se tornam, dessa forma, o horizonte, ao mesmo tempo a cadeia, onde corpos e espíritos se entregam à deriva e à errância, as quais são a manifestação não de um encontro mas da separabilidade infranqueável de dois entes. Deriva e errância são apenas a negação de um caminho, a impossibilidade de se abrir à verdade e, como consequência, à vida verdadeira.

Há todavia a possibilidade de se abrir um novo regime de desejo, uma nova experiência de eros. A obra poderá, eventualmente, mediar o encontro entre dois espíritos e dois corpos, e instaurar um novo regime de possibilidades experienciais, onde o desejo dos espíritos e o desejo dos corpos se tornem, na paixão erótica, num único desejo, não o desejo deste corpo por aquele, não daquele espírito por este, mas o desejo de uma abertura para além da realidade meramente empírica, para além das armadilhas do ego biopsicológico. Os corpos que se tocam e se dão, que se entrelaçam na entrega amorosa tornam-se símbolo e abertura. Símbolo no sentido estrito em que o masculino e o feminino se completam e se constituem na unidade originária do antropos. Símbolo também da unidade ainda mais originária do absoluto e do relativo, de Deus e da alma. Concomitante a esta simbologia é a experiência de abertura, abertura para além dos egos privados dos amantes, abertura para um self que é ao mesmo tempo de cada um e transcende cada um, abertura para uma experiência do outro, de si e, acima de tudo, do Outro. Experiência de desindividuação individualizante, passe o paradoxo, experiência de conhecimento. O homem conhece a mulher e a mulher conhece o homem, e ambos, como um só, conhecem aquilo que os ultrapassa, e experimentam o sentido último da virilidade e da feminilidade. Ora este conhecimento não se deve, de forma alguma, confundir com o conhecimento racional ou empírico, nem com a experiência do prazer que resulta da fruição do sensível e do afectivo. Talvez seja amor operante que, enquanto conhecimento, realiza des-realizando e des-reificando (diria mesmo, des-confirmando) os egos, conhecimento que, enquanto via, se abre para a verdade inscrita no mistério da vida. Conhecimento que, pela sua natureza operativa, vai para além da acção e da contemplação, como se Marta e Maria fossem ainda uma divisão artificial de um operar que é, na sua essência mais íntima, um contemplar, e não sendo este mais que a verdadeira e efectiva acção.

Tudo isto, porém, se afastou da questão estética colocada pela relação entre autor, obra e leitor, como se a arte fosse apenas um prelúdio a algo que a ultrapassa infinitamente.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Poemas do Viandante

184. MURMÚRIO

o segredo vem
pela poeira
murmura na noite
a cor dos teus olhos
o regaço ávido
de cinza
a brancura do seio
no frágil encontro
de meus lábios

assim te vejo
voltada ao poente
os cabelos em desalinho
o sol da tarde a cair
sobre a tempestade azul
do mar

um raio toca-te o ventre
e toda a alma
estremece
e abre-se para
a paisagem
murmurando
segredos ao vento
que me traz
na ânsia nocturna
o desconhecido império
do teu desejo

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O autor e a obra (3)

Poder-se-á colocar a questão do autor e da sua relação com a obra, mas para tal é necessário abandonar o campo da arte, nomeadamente o da literatura (aqui tomada como padrão exemplar da arte em geral). No primeiro post desta série escreveu-se que “introduzir o autor na questão da obra de arte significa, antes do mais, reduzi-la às dimensões do vestígio e do sintoma”. O que significaria introduzir na consideração da obra de arte inquéritos de natureza judicial e/ou médica. Mas se se abandonar a consideração da obra enquanto objecto estético, o que poderá acontecer?

Libertados da pressão estética, pode-se olhar a obra (aqui inclui-se qualquer obra e não apenas a de arte) como uma expressão do seu autor. Esta consideração arrasta, contudo, uma ambiguidade essencial. Que relação mantém o ego autoral com a obra produzida? Será a obra a afirmação do autor, a demostração de si, a confirmação da sua egoidade empírica? Ou, por outro lado, será a obra uma aprendizagem de morrer e de estar morto, como dizia Platão acerca do exercício da filosofia? Como se percebe, afasta-se decididamente a natureza estética da obra e coloca-se em confronto uma psicologia empírica e uma experiência metafísica.

Se a obra é uma manifestação do ego, a confirmação das suas dúvidas sobre a realidade própria, ela diz respeito ao campo empírico da psicologia, ao domínio das estratégias de afirmação de si na vida mundana, na espectativa de reconhecimento social. Diz respeito ao conjunto de processos com que o sujeito se agarra decididamente à sua própria imagem, à ilusão da sua substancialidade.

A obra, porém, pode ser um caminho de aprendizagem da morte, i e, da morte dessa subjectividade ilusória e uma ponte que pode permitir a passagem do ego ao self, entendido este como o centro essencial que liga o indivíduo à realidade essencial que o ultrapassa. A obra será então um caminho de desindividuação, de descoberta não de quem sou mas daquilo que é ao ser em mim. Que a obra, neste caso, seja um poema, um tratado, uma oração, a realização de um projecto económico, uma peregrinação ou outra coisa qualquer, isso deixou de ser importante. A importância é que ela se tornou caminho, via, viagem do mundo empírico para o espírito que me constitui e institui, o que importa é que ela se tornou vida, e uma vida que, percorrendo a vida, aspira à verdade.

terça-feira, 26 de julho de 2011

O autor e a obra (2)

O que Paul Ricœur vai sublinhar na sua hermenêutica é a objectividade da obra artística. O que está em jogo não é, como o pensava a hermenêutica e a literatura românticas, a apreensão do génio do autor, mas aquilo que ele chama o mundo da obra. A tese está escorada na ideia de autonomia do texto. Contrariamente a um acto da linguagem falada, o qual está suspenso das condições imediatas da sua produção, as obras escritas autonomizam-se do autor, da sua intenção, inclusive da sua interpretação. A leitura não será então uma forma de encontrar a intenção do autor, mas um processo de decifração do mundo que a obra transporta. Neste mundo haverá, por certo, muito do autor. As suas intenções, a sua cosmovisão, os seus aspectos ideológicos. Mas não é isso o fundamental. O fundamental é o universo proposto ao leitor, através do agenciamento artístico, e o confronto entre os universos da obra e desse leitor. A questão tornar-se-á mais interessante se recolocarmos o conceito de obra numa outra perspectiva. A obra será o suporte não de um mundo mas de um espírito. Entrelaçado à materialidade verbal e técnica da literatura está um dado espírito que se dirige ao espírito do leitor e o confronta. O corpo a corpo, em toda a sua materialidade, que o leitor trava com o romance, o poema, etc. inclui também um, digamos assim, um espírito a espírito, um confronto de espiritualidades. Também a sexualidade é um corpo a corpo, mas o seu fulgor resulta da presença do espírito nessa presença do corpo à alteridade do corpo do outro. A contiguidade dos corpos, assente na dinâmica do desejo, suporta a comunhão dos espíritos. Esta analogia permite compreender a literatura. Mas estamos perante uma analogia e não de processos idênticos. O corpo do leitor confronta-se com o corpo do livro, com a sua materialidade, e não com o corpo do autor. A literatura só existe nessa suspensão do contacto real. Essa suspensão não visa desviar ou transferir o desejo do leitor do corpo do autor para o corpo da obra, nem sequer sublimá-lo. Visa, outrossim, criar o espaço para um novo desejo, um espaço para uma outra emergência de eros. O deus manifesta-se agora em novas formas de desejar, de um desejo que se consuma na comunhão dos espíritos. Deste ponto de vista, as obras literárias, bem como as obras das outras esferas artísticas e, porventura, as da filosofia e da ciência, visam uma eclésia, uma comunhão geral dos espíritos, de espíritos que encontram na obra os motivos, mesmo os símbolos, para o seu reconhecimento.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Poemas do Viandante

 183. INCÊNDIO


a exaltação tardia
dos campos
trazia uma aragem
sobre o rumor
dos teus passos


ias e vinhas
e o meu coração
vivia pobre e incerto
à espera da noite
para incendiar
o pequeno rio
onde nascia
o amor

O autor e a obra (1)

Como olhar para a relação entre autor e obra (poema, romance, tragédia, sinfonia, quator, quadro, escultura, etc.)? Assiste-se, após a retórica da morte do autor, a uma certa recuperação da autoria e da situação do autor na leitura das obras e na sua compreensão. A relação entre autor e obra é equívoca e remete para duas ordens de discurso que não pertencem ao jogo da linguagem artística.

Em primeiro lugar, envia-nos para um questionamento jurídico. A quem imputar aquela obra? Por que razões a produziu? Como determinada idiossincrasia do autor se reflecte ali? O inquérito faz parte assim de um processo que está em julgamento e sobre o qual se deve pronunciar uma sentença. A obra de arte é então, se não a prova de um crime, o vestígio deixado pelo delinquente. A natureza processional e jurídica da intromissão do autor fica bem à vista.

Em segundo lugar, a relação autor – obra coloca-nos perante o discurso médico. A obra não é apenas o vestígio de uma delinquência mas o sintoma de uma dada configuração psicológica ou, melhor, biopsicológica. A partir da leitura das obras de um autor, supostamente, poderei traçar, na conjunção de Nietzsche com a psicanálise, uma leitura das forças vitais e dos processos recalcados de um autor. Força vital e recalcamento psíquico significam trazer para a questão da arte os problemas da patologia e do discurso médico

Introduzir o autor na questão da obra de arte significa, antes do mais, reduzi-la às dimensões do vestígio e do sintoma. O corolário é fácil de observar: os inquéritos que se abrem nada têm a ver com a experiência estética e com o confronto, o corpo a corpo, entre o leitor e a obra.

domingo, 17 de julho de 2011

Poemas do Viandante

182. DÁDIVA

dá-me essa tristeza
sem nome
uma rua de pedras gastas
e a brancura da pele
no sublime dia
dos vinte anos

dá-me a penumbra
onde arde ainda
aquela fogueira
que a noite ateava
no desamparo
dos teus olhos

sábado, 16 de julho de 2011

Poemas do Viandante

181. ESPERANÇA

não esperar de deus
os dias de luz
a radiosa montanha
onde o pássaro
canta

não esperar de deus
a ventura da tarde
ou um sinal breve
na cruz erguida
no caminho

não esperar de deus
o vento suave
na sombra da árvore
a água fria
que a sede pede

não esperar de deus
e ir pela estrada
vazio e louco
seguindo-o no fundo
deste nada

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Poemas do Viandante

180. ESQUECIMENTO

o vasto incêndio
sobre o abismo
as flores secas
pelo cansaço
a pressa
que me toca

não tenho posteridade
nem quem
de mim se lembre
quando o vento
descer da serra
e tudo cantar
ao entardecer

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Poemas do Viandante

179. PROMESSA

a luz do meio-dia cai
sobre a floresta
de casas sombrias
vem do abismo
sem nome
e traz no seio
o rumor da saudade
a promessa de nuvens
na remota
e branca fímbria
com que debrua
o mar

terça-feira, 12 de julho de 2011

Poemas do viandante

178. DESAGRADO

isso que te desagrada
a conversa inútil
sobre o passar
dos dias
as mãos vazias
vindas em sussurro
o chegar agosto
e o sol que despeja
a alma
e abre o corpo
para a sede

o que te desagrada
não é isso
mas o andar frívolo
com que caminho
o silêncio quebrado
para não ouvir
o grito esquecido
sobre a ponte
o sino rasgado
sem as trindades
da infância

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Poemas do viandante

177. DISTÂNCIA

o brusco olhar
sobre a montanha
a água escorre
fragas penedos
um relâmpago
fende a neve
abre a brancura
ao chumbo
ao peso da ira
ao grito consentido
pela distância
do céu à terra
a ergues

domingo, 10 de julho de 2011

Poemas do viandante

176. O SENHOR


não é vã
a palavra
dita
sobre o rio
a água corre
uma ave canta
e o senhor
deixa vir
as nuvens
esconder a luz
do seu
calor

sábado, 9 de julho de 2011

Poemas do Viandante

175. ANJOS

os anjos
que descem
pela tarde
trazem
luz de pedra
no dia brando
que o corpo
encerra

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Poemas do Viandante

174. CAMPOS DE VERÃO

a essa distância
entre mar e água
entre a rosa
e o sombrio coração
tudo fica mais claro

os dias de julho
as buganvílias
o odor da terra
ferido pelo voo
de um pássaro

se abrires os olhos
e os cabelos voarem
ao vento
deixa o fogo apascentar
os campos de verão
 

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Teoria da leitura

Há aquela velha polémica de Platão contra a escrita, contra os livros, contra o silêncio ostensivo com que respondem se forem interrogados sobre o que pretendem significar. O enigma, porém, está do lado de Platão e não dos livros. Por que razão terá escrito tanto? Não é verdade que os livros, no seu silêncio, não respondam. Os livros são um corpo silencioso nas mãos do leitor, e como um corpo precisam de ser tacteados lenta e suavemente, precisam de ser tocados para se abrirem e deixarem ouvir a voz reservada que trazem dentro de si. Ler é um corpo a corpo, um jogo em que as peles se tocam para os espíritos se fundirem. Há porém livros tão especiais, pelo espírito que anunciam, que o leitor se mantém na distância a que se convencionou dar o nome de respeito. Fico sempre perplexo quando vejo alguém excessivamente jovem com certos livros na mão. A profundidade de algumas obras não se compadece com os verdes anos. O respeito, contudo, não é sintoma de ausência de desejo, de falta de vontade de abrir o livro, de o tactear, de deixar correr o corpo que lê pelas páginas que se dão à leitura. O respeito é apenas o sinal de reverência pelo mistério que se pressagia, o sintoma do apreço pela luz que emana do espírito que o corpo do livro suporta. Talvez o respeito esteja ligado ao kairos, esse tempo oportuno que desce do espírito e toca os corpos, que vem do céu para iluminar a terra. O mundo vive um singular paradoxo relativamente à leitura. Ler tornou-se um imperativo generalizado, um indicador de desenvolvimento, um programa de acção. Mas a relação entre leitor e livro não é da ordem da moral, nem da economia ou da política. É uma relação presidida por esse estranho deus a que os gregos deram o nome de eros. O culto do deus – um deus impetuoso e intempestivo – exige essa especial reverência com que um corpo se deve abrir a outro, com que um espírito se funde noutro, com que um leitor se entrega nas mãos de um livro, com que certos livros se abrem para a leitura.

Poemas do Viandante

173. VERDADE

os dias ainda
parecem longos
a nuvem de calor
cobre-os
cola-se à paisagem
adormece
em sobressalto na noite

a verdade
– o corpo que espera
o tremor destes dedos –
canta
agora uma ave
um anjo inocente
a queda da luz
na planície
da solidão

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Poemas do Viandante

172. SONHOS

as coisas simples
presas nos escombros da vida
– flores secas
cadeiras de lona
o velho ringue
vindo do tempo da infância –
renascem entre sonhos

a noite inquieta
os traz consigo
nos dias longos
de um verão sedento
e sôfrego
e ávido
de sombra e mar
 

terça-feira, 21 de junho de 2011

Poemas do Viandante

171. CANTO

a dorida tarde
poisa a mão
sobre o súbito
ondular
do teu ventre

e um canto
de alvoroço
vem dessa boca
soprar fogo e luz
no baldio âmbar
do coração

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Poemas do Viandante

170. MANHÃ


a onda fria vem
toca-te
abre-te
pétala soprada
rosa pura
pura e leve


tão leve
o tremor
sobre o mar
tão leve
a flor
ao vento
tão leve
a névoa
ao cantar


tão pura
a manhã
desenhada
em teus lábios
esperando luz
e tormento


sábado, 4 de junho de 2011

Poemas do Viandante

169. MEMÓRIA
 

frágil como
o voo de um pássaro
a memória
anseia a penumbra
na casa breve
em que um corpo
por outro
em desassossego
espera


sábado, 28 de maio de 2011

Incomodidade e verdade

Volte-se à temática do post anterior, à questão da suspensão da acção. Se recupero uma imagem global da minha vida, constato que, apesar do envolvimento num certo número de actividades e de projectos, a acção sempre me pareceu estranha e contrária à minha índole, algo que, de certa forma, me fazia sofrer. Não é uma dor forte, antes uma incomodidade. O agir é a inscrição de objectivos interiores na exterioridade, no curso do mundo. Não é apenas o incómodo pessoal, mas o incómodo que a minha presença no mundo pode causar aos outros. Daqui a instantes (cerca de duas horas) irei lançar um livro, um conjunto de crónicas escritas em jornal de província, mas esse acto de lançamento é-me completamente estranho, sinto-o como se quisesse impor algo a alguém. A minha expectativa, que por certo será confirmada, será que não haverá grande razão para a incomodidade, devido à mais que provável ausência de público. Mas o simples acto social de chamar pessoas para lhes anunciar algo de meu gera incomodidade. O enigma para mim reside na origem e na verdade desta incomodidade.

Hipnose

Há uma linha de continuidade que perpassa por toda a vida. Muito cedo descobri um certo prazer em observar o escoar do tempo, de um tempo necessário à realização de uma tarefa, de um dever, de qualquer coisa que o mundo requeria de mim. Não fazer o que se exigia ou exige, mas interpor entre mim e a tarefa um espaço hipnótico, espaço que salta para dentro do corpo, se apossa da vontade e suspende toda e qualquer acção. Quantas vezes me perguntei se haveria em mim uma vocação contemplativa ou se não sofreria de uma patologia? O ver o tempo escoar, o deixar-se seduzir por irrelevâncias, o estreitar até à angústia a possibilidade de realizar um certa tarefa, tudo isto não será um sintoma patológico? Se aprofundo a arqueologia, descubro no início da escolaridade esse processo, esse estar fora da corrente da vida, descubro a sua natureza hipnótica. Compreendo, também, que ele se manteve inalterado desde esses tempos. Ao pensar agora sobre o assunto, parece-me claro que o processo já deveria ser anterior, bem anterior, ao início da escolaridade, tendo-se apenas manifestado aí devido a esse ser o momento onde o tempo, através da figura dos deveres a realizar, toma forma perante o espírito. Não se trata de pura procrastinação, pois nesta ainda está presente a intencionalidade de realizar a acção, embora mais à frente. O que sinto, porém, é um estranhamento perante aquilo que há que fazer. Esse estranhamento depressa se transforma em indiferença. O resultado é deveras extraordinário. Se há um momento no processo onde o espírito se sente angustiado pela não realização do que haveria a realizar, a verdade é que o resultado final, a não consumação das tarefas, a não realização de um objectivo, nunca gerou em mim qualquer sentimento de culpa, nem qualquer tendência depressiva. Apenas incomodidade, mais perante os outros que perante mim. Na realidade, esses imperativos que a vida impõe nunca se transformaram, efectivamente, em imperativos íntimos. A clivagem entre a intimidade e a exterioridade, coisa muito menos comum do que se supõe, criou em mim um espaço hipnótico que tende a anular a acção e talvez seja um perigo para o espírito contemplativo. Pior, e se o meu anseio contemplativo não passa de uma ilusão?

domingo, 22 de maio de 2011

Esperar

Por vezes, sem algo que o anuncie, tudo se torna sem sentido, como se de dentro de vísceras invisíveis viesse sobre a vida um cheiro putrefacto a nada. Não a um nada que indique a plenitude da ausência de odor ou gosto, mas de um nada que toma as células por dentro e as dissolve, corrompendo a vontade, liquefazendo os neurónios, tomados agora por uma sonolência sem fim. Como se abre o ser para que isto entre em nós? O ridículo. Tudo se torna risível e qualquer pretensão, gesto, desejo, mostra de nós o burlesco. Esperar a graça, desesperar por ela, ser incapaz de levantar a voz ao Alto. Dormir dias sem fim, deseja o corpo, reivindica, absurdo e ousado, o cérebro, condescende um coração mole. Dormir como se nada importasse. No silêncio da noite, erguer os olhos ao céu estrelado e esperar que a ferida se feche e uma voz ressoe no fundo do ser.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Poemas do Viandante

168. DESENHO


no salitre da parede
desenho-te o corpo
batido pelo vento
desenho-te a rosa
a florir no ventre
desenho-te os lábios
cantando o desejo
desenho-te a mão
perdida nestes dedos

domingo, 10 de abril de 2011

Poemas do Viandante

167. TUDO ISTO

o musgo no tronco
da árvore
pássaros em revoada
sobre telhados
a mão pousada
na inocência do olhar


a beleza de tudo isto
nunca cansa
dizes
enquanto a água vibra
na imensidão silenciosa
da tarde

terça-feira, 29 de março de 2011

Poemas do Viandante

166. A CATEDRAL

a límpida catedral
seda e água
lugar de erva
musgo e fogo

anjo que toca
ao quebrar da noite
os ombros
- meus teus -
estremecidos
pelo fervilhar do frio
           da pedra cai

quinta-feira, 24 de março de 2011

Poemas do Viandante

165. ESTA TERRA

a cinza
em que esta terra
se desdenha
a água
descolorida onde
se afoga

as palavras gastas
– nelas se esquece
de deus ou da vergonha
ou da hora aprazada
o anjo a trará
despido de luz
para incendiar esta terra
de penas e assombro

sábado, 12 de março de 2011

Uma oportunidade


Leitura de Liquid Modernity, de Zygmunt Bauman, uma obra de 2000. Uma acurada visão sociológica das profundas transformações que a modernidade está a sofrer nos últimos decénios. Uma ideia central. O processo de liquefacção das instituições sociais, facto inerente à própria modernidade, intensificou-se e mudou de qualidade. Contrariamente à modernidade inicial, que liquefazia as instituições do Ancien Régime para as substituir por outras melhores e mais sólidas, o actual processo, que se abate sobre as pessoas como um destino inexorável, pretende maximizar a destruição dos laços sociais, deixando os indivíduos entregues às suas próprias forças ou, melhor, às suas próprias fragilidades. A obra percorre o impacto do processo em cinco campos: 1. Emancipação; 2. Individualidade; 3. Tempo/Espaço; 4. Trabalho; 5. Comunidade. Evidencia os processos de liquefacção das estruturas sociais e o seu impacto na vida dos indivíduos e comunidades. Mas a obra, que continua passados onze anos absolutamente pertinente, é um bom ponto de partida para pensar uma outra coisa que não as sociabilidades e as individualidades. Ela mostra, inadvertidamente e sem se interessar pelo problema ou sequer referi-lo, como o mundo social e as vidas individuais se tornam ainda menos permeáveis ao Espírito do que em tempos anteriores, os da modernidade pesada, segundo a designação do autor. Isso não significa que, aqui e ali, não possam emergir comunidades explosivas em torno da religião. Mas essas comunidades terão mais a ver com o medo e a insegurança, com o ressentimento social, do que com uma preocupação com o Espírito e a experiência espiritual. No entanto, a atomização a que as sociedades ocidentais estão a ser sujeitas, o corte que cada indivíduo está a ser obrigado a fazer com as estruturas sociais de suporte, pode ter um efeito inesperado. Se na larga maioria esse corte pode conduzir ao desespero e a situações do foro patológico, social ou psiquiátrico, em alguns, uma clara minoria, pode ser ocasião para confronto com o sentido último da existência e uma abertura para a espiritualidade e para Deus. Se o cristianismo, nomeadamente o catolicismo, não deve desatender a larga maioria que sofre os efeitos da liquefacção das instituições sociais, seria curial que olhasse com atenção, que nunca será excessiva, para esse pequeno grupo de espirituais em potência. Não que sejam mais importantes que os outros, mas a constituição de uma elite espiritual - uma elite que bebeu o cálice das ilusões sociais até fim e que, como na parábola do filho pródigo, retorna à casa do Pai - pode ser importante não apenas para manter viva a experiência espiritual sobre a Terra, em particular no mundo Ocidental, mas para dar, com o seu exemplo silencioso, um sentido verdadeiro à vida do Homem no mundo.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Poemas do Viandante

164 . ESQUECIMENTO

de todas essas coisas
esqueci o nome
os lugares
a cor que ofereciam
pela manhã

ficaram fragmentos
a memória à espreita
na soleira da porta
o nome de deus
se a noite vinha
coberta de clarões

Do ruído e do silêncio


Continuação da leitura do diário de Thomas Merton. Escreve sobre o ruído mecânico. Não comenta a natureza desse ruído, apenas aponta a sua presença, o seu crescimento no universo onde vive. Um ruído de máquinas. Enquanto leio, lá fora, o ruído não cessa. Os carros que passam, uma máquina talvez no jardim de uma escola, as pessoas que emitam os carros e são agora máquinas que resfolegam, apitam, fremem e no fremir ouve-se o bater desamparado das células. Alguns de nós anseiam pelo silêncio, por essa dádiva que é suspender a mecanicidade ruidosa do mundo. Mas isto não passa de uma ilusão. A tarefa tornou-se absolutamente mais complexa e exige de nós aquilo que dificilmente poderemos dar. O fundamental não é encontrar uma pátria do silêncio ao lado das várias nações ruidosas. Essa pátria já não existe, foi tomada de assalto e colonizada por hordas turbulentas. O exercício fundamental é aprender a instalar-se no silêncio que habita o ruído. Este, o ruído, possui uma natureza negativa. Nega o silêncio, mas essa negação é a esperança, talvez a única, para quem precise de se instalar no infinito silêncio onde algo o espera. Essa negação é um nada e é neste nada que teremos de aprender a fazer a nossa casa, e a descobri-lo como o único silêncio possível nos dias de hoje. Escutar no ruído tremendo que nos envolve o silêncio que ele mascara, e, mais do que tudo isso, encontrar o silêncio dentro do ruído que nos habita e que, demasiadas vezes, nós somos.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

163. TARDES DE DOMINGO

voltou o sol aos dias
agora menos frios
e uma luz provisória cai
suavemente
sobre o casario das aldeias
ao longe

tudo é feito de uma teia
suave e silenciosa
como se uma promessa
a cantar no meu olhar
esperasse a voz
que do teu virá


Thomas Merton - Dancing in the Water of Life

Ontem, de forma inusitada, comecei a leitura dos diários de Thomas Merton. Não pelo princípio, mas pelo quinto volume referente aos anos de 1963 - 1965. Merton ia registando a vida que ia vivendo no mosteiro, mas o registo apresenta uma linguagem muito distante da retórica banal e infantil, excessivamente adocicada, de uma certa piedade que se apoderou há muito do mundo católico, e que ainda subsiste. A primeira impressão é a de se estar perante um homem do seu tempo. Isto significa que o monge cisterciense, apesar da natureza contemplativa da sua vocação, estava atento aos sinais do tempo e ao mundo. Lia, na altura, Santo Anselmo e Karl Barth, o teólogo protestante. Mas lia ainda, e muito atentamente, Sartre, então no fulgor da sua influência. Referência também para a leitura de Compreender o Islão, de Fritjhof Schuon. Um livro que ainda hoje merece leitura (talvez, noutra altura, se fale aqui dele). Pelas páginas de Merton, perpassam os conflitos raciais nos EUA, o assassinato de Kennedy, o problema do Vietname, mas também a trivialidade da vida. Idas ao médico, as dores no braço, o conflito com os caçadores que invadem as terras do mosteiro, a morte do Abade Geral dos cistercienses, os encontros com pessoas vindas de todo o lado, católicos ou de outras confissões, o cansaço com a correspondência, até uma tentativa de sedução, ou violação, de que foi alvo por uma mulher, de aspecto beatnik, que se introduziu no mosteiro, alegando ser sua familiar. O que se vai descobrindo é que a vida de um contemplativo não é muito diferente da dos outros seres humanos, e um mosteiro, apesar de estar protegido do mundo, não deixa de pertencer a esse mesmo mundo. Mais do que uma preocupação sobre a possível invasão da vida monacal pela superficialidade mundana, abre uma esperança sobre a possibilidade de uma vida contemplativa no mundo, uma vida onde, apesar de tudo, o espírito possa trazer um pouco de luz à cega acção dos homens.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

162. ESCUTAR

abrir a porta
se o dia clareia
e no limiar da casa
escutar
no rumor do mar
a voz de alguma
sereia



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

161. PALAVRAS

restam-me ainda estas palavras
sem redenção

o jardim cansado
entregou-se à volúpia
do meio-dia
e as sombras que
sobre mim caem
são sílabas tão pobres
que palavra alguma ousará
com elas compor o metro
onde te ouvirei cantar

resta-me ainda a redenção
desta pobreza


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

160. MNEMOSYNE

a memória
que desfolhavas
entre dedos
era um céu
que se abria
para a luz
onde guardavas
rios e segredos


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

159. VENTO

sob a copa da velha tília
em tarde esquecida
deixavas o vento
sombrear o rosto
e desenhar ao de leve
os seios sob
a límpida camisa
de algodão

se o cão rosnava
ou um pássaro
vinha poisar nos ramos
os olhos cerravam-se
e um alvoroço
acendia-se no peito
que trémulo
se abandonava ao vento
como se fora
a carícia desta mão


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

158. TROVA

a labareda ateia
silêncio no bosque
e canta-te
ó promessa
de água

trova tão pura
ao arder no peito
lembra o dia –

irrompe sob a lua
que o anuncia


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

157. A FACE

poisas o corpo
sobre a poeira
e arrasta-te o vento
os cabelos
para trás

a tua face
esse riso tão puro
cresce para
o deserto
que se abre
nestas mãos


domingo, 6 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

156. TERRA BALDIA

a terra baldia
onde ficou o coração
– campo de ervas
ao sol da tarde –
lembra a pele branda
desse corpo
afogueado
de água e mar


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Poemas do Viandante

155. CIFRA

a mão que poisarei
em tua pele
treme
ondula ao fogo
respira na ânsia
dessa solidão

se uma ave canta
se arde lentamente
como um segredo –
tudo estremece
desprende-se
voa para o silêncio

– decifra-te em mim

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

154. RUMOR DA NOITE

o rumor da noite crescia
então o sol chegava
e a porosa madrugada
anunciava sereno o dia

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Poemas do Viandante

153. CADERNO AZUL

o caderno azul
onde guardavas orações
restos de cartas
o espinho de algum amor
soçobrou ao cair da tarde

um raio vindo da planície
tomou-o por dentro
e as palavras
com que falavas a deus
essas linhas de amor esquecido
são agora cinza
na fria luz de janeiro