Ontem, de forma inusitada, comecei a leitura dos diários de Thomas Merton. Não pelo princípio, mas pelo quinto volume referente aos anos de 1963 - 1965. Merton ia registando a vida que ia vivendo no mosteiro, mas o registo apresenta uma linguagem muito distante da retórica banal e infantil, excessivamente adocicada, de uma certa piedade que se apoderou há muito do mundo católico, e que ainda subsiste. A primeira impressão é a de se estar perante um homem do seu tempo. Isto significa que o monge cisterciense, apesar da natureza contemplativa da sua vocação, estava atento aos sinais do tempo e ao mundo. Lia, na altura, Santo Anselmo e Karl Barth, o teólogo protestante. Mas lia ainda, e muito atentamente, Sartre, então no fulgor da sua influência. Referência também para a leitura de Compreender o Islão, de Fritjhof Schuon. Um livro que ainda hoje merece leitura (talvez, noutra altura, se fale aqui dele). Pelas páginas de Merton, perpassam os conflitos raciais nos EUA, o assassinato de Kennedy, o problema do Vietname, mas também a trivialidade da vida. Idas ao médico, as dores no braço, o conflito com os caçadores que invadem as terras do mosteiro, a morte do Abade Geral dos cistercienses, os encontros com pessoas vindas de todo o lado, católicos ou de outras confissões, o cansaço com a correspondência, até uma tentativa de sedução, ou violação, de que foi alvo por uma mulher, de aspecto beatnik, que se introduziu no mosteiro, alegando ser sua familiar. O que se vai descobrindo é que a vida de um contemplativo não é muito diferente da dos outros seres humanos, e um mosteiro, apesar de estar protegido do mundo, não deixa de pertencer a esse mesmo mundo. Mais do que uma preocupação sobre a possível invasão da vida monacal pela superficialidade mundana, abre uma esperança sobre a possibilidade de uma vida contemplativa no mundo, uma vida onde, apesar de tudo, o espírito possa trazer um pouco de luz à cega acção dos homens.
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