Negar-me a mim mesmo, negar as ilusões que sobre mim construo a cada hora que passa, negar o equívoco da minha importância. Mas como cumprir este programa, se todas as forças da natureza lutam com afinco para reforçar esse eu que devo negar? Não há nada mais humano que essa pequena palavra à qual atribuo todos os actos que pratico, os pensamentos que me ocorrem, as omissões que acontecem. Mais, a tarefa de negar-me ainda traz a prescrição de, nessa negação, não cair na abjecção pré-humana, no estado do animal incapaz de se identificar. Se penso, porém, no referente desse eu, se o começo a desmembrar pela análise, se lhe aplico o olho clínico, descubro que esse que diz eu é tão evanescente que o eu, essa impertinente partícula gramatical, parece ser-lhe a sua tábua de salvação, aquilo que na evanescência dá estabilidade. Negar-me a mim mesmo é perder a estabilidade. A negação de si implica então que se caminhe na instabilidade e na evanescência, que se mergulhe no fluxo da vida sem uma bóia. Onde, porém, irei buscar forças para essa caminhada?
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