sexta-feira, 2 de maio de 2008

Escrevo pelo silêncio

Estou seco. Cheguei a casa vindo do contacto com as gentes, e esta estadia fora do lugar onde o silêncio me pode acolher deixa-me tão gasto que a energia que resta apenas serve para me manter, distraído e em repouso, à tona da vida. O espírito fecha-se em si e o corpo pede-me o abandono que só a preguiça parece poder dar. Agarro-me a estas palavras para resistir. Escrevo-as, na debilidade que me atinge, para ficar um pouco mais forte e mais apto para me entregar ao silêncio e à escuta daquilo que pelo silêncio poderá vir. Escrevo na tarde para ouvir um rumor longínquo, escrevo como se orasse, escrevo para lutar contra a devassidão do cansaço e o brilho negro da morte. Escrevo para recuperar o silêncio que o mundo rouba, como se o mundo não pudesse ser outra coisa senão uma infinita cacofonia, uma torre de babel onde até os mais inanimados dos objectos tivessem uma língua e julgassem por bem fazê-la ouvir a quem passa. Escrevo para recuperar o silêncio das palavras, escrevo pelo silêncio da Tua palavra.

1 comentário:

  1. A Palavra, dita ou escrita, (No princípio era o Verbo...) possui imenso poder, muitas vezes oculto. Num filme dos anos cinquenta, creio, Carl Dreyer demonstrou-o assombrosamente num filme sublime, Ordet, A Palavra, em dinamarquês. Uma mulher que morrera é ressuscitada através do poder da palavra. Escreva! Continue a escrever. Mais uma vez um texto raro e muito belo.

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