Pablo Picasso - El viejo guitarrista ciego (1903)
Porque me viste, acreditaste. Felizes os que acreditam sem terem visto. (João 20:29)
Neste texto de João estamos perante dois modos de formação de uma crença. A primeira tem uma dimensão empírica. Crê-se em algo porque se constatou e verificou empiricamente essa coisa, esse facto ou esse acontecimento. A outra diz respeito à formação da crença sem recurso à constatação empírica. O texto é surpreendente por dois motivos. Em primeiro lugar, há uma clara menorização do conhecimento empírico, uma desvalorização da necessidade de certificação de uma certeza, como se estivesse incoativa, nas palavras de Cristo dirigidas a Tomé, uma censura ao empirismo e à ilusão dos sentidos.
Em segundo lugar, é introduzida uma transição de um discurso de carácter epistemológico, para utilizar o jargão filosófico, para um discurso onde a ciência (dada num crer) se funde com a ética e o desígnio de uma vida feliz. Felizes são aqueles que, mesmo cegos, chegam à verdade. Esta não depende da acuidade dos sentidos, mas da disponibilidade para ser acolhida. E aqui não há nenhum apelo ao dogmatismo e à imposição da verdade a quem quer que seja. Há apenas a distinção de que uns serão felizes e, provavelmente, os outros não. A felicidade depende do conhecimento, mas do conhecimento que nasce do acolhimento e não da certificação empírica.