quarta-feira, 3 de julho de 2013

Crer sem ter visto

Pablo Picasso - El viejo guitarrista ciego (1903)

Porque me viste, acreditaste. Felizes os que acreditam sem terem visto. (João 20:29)

Neste texto de João estamos perante dois modos de formação de uma crença. A primeira tem uma dimensão empírica. Crê-se em algo porque se constatou e verificou empiricamente essa coisa, esse  facto ou esse acontecimento. A outra diz respeito à formação da crença sem recurso à constatação empírica. O texto é surpreendente por dois motivos. Em primeiro lugar, há uma clara menorização do conhecimento empírico, uma desvalorização da necessidade de certificação de uma certeza, como se estivesse incoativa, nas palavras de Cristo dirigidas a Tomé, uma censura ao empirismo e à ilusão dos sentidos. 

Em segundo lugar, é introduzida uma transição de um discurso de carácter epistemológico, para utilizar o jargão filosófico, para um discurso onde a ciência (dada num crer) se funde com a ética e o desígnio de uma vida feliz. Felizes são aqueles que, mesmo cegos, chegam à verdade. Esta não depende da acuidade dos sentidos, mas da disponibilidade para ser acolhida. E aqui não há nenhum apelo ao dogmatismo e à imposição da verdade a quem quer que seja. Há apenas a distinção de que uns serão felizes e, provavelmente, os outros não. A felicidade depende do conhecimento, mas do conhecimento que nasce do acolhimento e não da certificação empírica.

4 comentários:

  1. Tenho reflectido com frequência sobre este assunto e, de cada vez, assalta-me uma dúvida: acontecendo entre nós, nestes tempos, a vinda física de Cristo, dizendo-nos quem É, acreditaríamos nele? segui-lo-íamos, sem que nos provasse, dando vista aos cegos, colocando a andar os paralíticos, ressuscitando Lázaros?
    Bastar-nos-ia a Sua Palavra para que o reconhecessemos e lhe dessemos Graças?

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    1. Certamente, uns sim e outros não. Mas talvez seja mais significativo perguntar uma outra coisa: quantos de nós reconhecemos, na verdade, o Cristo que há em nós, esse fundamento do nosso ser?

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    2. A verdade que existe em nós, é, quase de uma forma genética, o Cristo que existe em cada um de nós. Nascemos com Ele, somos Ele, mas nem sempre nos reconhecemos n'Ele.
      Mas o reconhecimento, a confirmação, a aceitação, necessitam que se possua algo mais de Humano; talvez a condição de que se falava ontem, aceitar que o vento nos transporte, que o Espírito nos tome nas suas asas. E sobretudo que se procure, sempre.

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    3. Claro, a questão da graça (o transporte pelo vento) é essencial, assim. como diz, o procurar e a disponibilidade para acolher.

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