Giorgio de Chirico - A alegria do regresso (1915)
A questão do regresso tem, na tradição ocidental, duas figurações centrais. Na cultura clássica grega, o regresso - e as alegrias concomitantes - tem o seu símbolo no retorno de Ulisses à pátria, à ilha de Ítaca, que abandonou para seguir, com o exército dos helenos, para Tróia. Na vertente judaico-cristã, o regresso é pensado no retorno do segundo Adão, Jesus Cristo, ao Pai ou, para utilizar a simbólica do Antigo Testamento, ao paraíso, de onde o primeiro Adão tinha, angustiadamente, partido.
A alegria do regresso deve ser compreendida a partir de dois tópicos. Por um lado, a alegria de voltar chez soi, com o prazer de ser reconhecido e o prazer de reconhecer o lugar a que se pertence. Não se trata apenas de uma questão territorial, mas de um voltar àquilo que se é. Ulisses retorna à sua função de Rei, o segundo Adão restaura a natureza divina do homem. Esta alegria central, pois tem uma natureza ontológica, está escorada numa outra alegria, a alegria de ter superado as provações, sejam as da Guerra de Tróia e aquelas que a atribulada viagem de regresso trouxeram a Ulisses, sejam as colocadas pelo processo crucificação, morte e ressurreição do Cristo.
A alegria do regresso não se trata do júbilo por um retorno ao lugar de onde se partiu, mas da alegria de uma nova condição que é, ao mesmo tempo, restauradora de uma condição perdida e uma condição absolutamente nova. Aquele que regressa retorna ao que foi tornando-se em algo de absolutamente novo.
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