terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O lugar de Eros

Armand Point - Eros (1896)

Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele próprio. Só deste modo é que o amor — o eros — pode amadurecer até à sua verdadeira grandeza. (Bento XVI (2005), Deus Caritas Est - Carta Encíclica).

Bento XVI inicou praticamente o seu papado com uma reflexão sobre o amor. Penso que o texto foi pouco escutado fora dos círculos cultos da Igreja Católica. No entanto, vale a pena ser lido. Não porque traga nele uma ruptura com a doutrina da Igreja, mas porque a torna mais clara. Um aspecto interessante é o da reflexão implícita sobre o dionisismo. Contrariamente ao que pensam alguns exaltados, os estados dionísiacos são absolutamente dissolventes e, se não forem controlados, arrastam as sociedades para situações degradantes e de clara desvitalização. O culto de Eros, presente nesses estados, precisa de um forte controlo. Para os gregos, o controlo da dissolução orgiástica dionisíaca vinha através dos  cultos apolíneos, cultos da razão e da ordem política. Na leitura que Nietzsche faz da origem da tragédia, estes dois princípios estão em contradição e em conflito contínuo. A resposta do cristianismo é menos dialéctica, menos heraclitiana. Em vez do conflito entre razão e instinto, propõe uma integração dos diversos níveis, medita sobre uma aquisição da sabedoria do amor. No cristianismo, não há lugar para o excesso e a desmedida dionisíaca, mas também não há lugar (embora isso tivesse acontecido) para a rígida voz de uma razão supressora de Eros. E, de forma surpreendente, encontramos um conceito proveniente da moral clássica dos gregos, o conceito de justa medida. O cristianismo recusa o excesso de Eros mas também o excesso de razão. O que está em jogo é uma aprendizagem da justa medida, um princípio de equilíbrio e de integração entre as diversas tensões que percorrem o ser humano, sem as negar e sem as superlativar.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Haikai do Viandante (125)

Wassily Kandinsky - Cidade Antiga II (1902)

Caminhos de terra,
o casario silencioso,
nuvens sobre a serra.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Carnaval

Máximo Stanzione - Sacrifício a Baco

Mesmo que o Carnaval derive das antigas Saturnais (decorriam, em Roma, em Dezembro), há nele uma forte reminiscência do culto de Diónisos (para os gregos) ou Baco (para os romanos). Um tempo de excesso e de fúria, de desmedida. A Igreja Católica mostrou a sua sabedoria das coisas humanas não tendo destruído a festividade. Como, porém, não podia recorrer à autoridade de um deus Apolo, para repor a ordem e a regra num mundo tomado pelo excesso e os furiosos estertores das ménades, declarou o dia seguinte ao de Carnaval como Quarta-feira de Cinzas. As cinzas recebidas, segundo a doutrina corrente, são motivo de reflexão sobre a conversão. Na verdade, porém, as cinzas são o que resta depois do fogo e do fulgor dionisíaco. O que torna o Carnaval um momento preparatório da própria Quaresma e Páscoa dos cristãos.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Poemas do Viandante (406)

Júlio Pomar - da série Tigres (1983)

406. O desejo cresce no fundo do tigre

O desejo cresce no fundo do tigre,
a luz iluminada pela sombra,
o leito onde o amor se amarrotou.
Desdobro cada ruga da tua pele
e sinto um cântico a pulsar no coração,
a voracidade da ânsia,
o rasgão que me toca o ventre
e traz sobre a noite um uivo animal.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Poemas do Viandante (405)

Ivonne Sánchez Barea - Cienaga roja (1999)

405. Vermelho como o tempo que nos toca

Vermelho como o tempo que nos toca
e deixa um vazio à espera 
de um segredo que o preencha.  

Vermelho como a íntima tempestade,
os frutos abandonados pelo chão
e gritos na cinza da memória.

Vermelho como o cansaço do verão:
as águas secas e a vida presa,
o sossego das tardes que não acabam.

Vermelho como a solidão presa à janela,
debruçada sobre um jardim de seda,
debruada no abismo da infância.

Vermelho como o sangue na arena,
quando a astúcia do dia declina
na sombra da morte anunciada.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Pontos de referência

Laurence Stephen Lowry - A Landmark (1936)

A viagem a que o Viandante foi chamado não tem nesta terra uma meta. É um destino sem destino, um destino que se tece no acto de o cumprir. Isso, porém, não significa que a viagem seja desreferenciada. Cada encontro é um ponto de referência, um marco, uma baliza que sugere a rota a seguir. São perigosos, porém, os pontos de referência. Se o Viandante os toma como um fim, então a viagem está perdida. O nobre nómada cedeu à tentação da vida sedentária.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Poemas do Viandante (404)

Ivonne Sánchez Barea - Cienaga amarilla (1999)

404. O excesso de loucura sobre o deserto

O excesso de loucura sobre o deserto
ergue constelações de areia
no espaço sideral.

Seguimos os dois, ombro a ombro,
e tomamos da terra a breve flora.
Compomos um horizonte volátil
e aguardamos as primeiras chuvas.

Quando chegam as longas noites de verão,
despedimo-nos do amarelo da paisagem
e adormecemos no fulgor do silêncio.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Da inocência

Paul Gauguin - A perda da inocência (1871)

Como a primeira inocência é já tão culpada. Nela reside a sua própria perda. Como foi possível uma visão tão fruste da inocência? Como se gerou esse equívoco que a confunde com a ausência da experiência? A questão não está em evitar a acção ou a tentação, mas em entregar-se ao agir de forma que ele se torne puro. Não é a experiência que macula o homem, mas é o homem que mancha as suas experiências. O fundamental não é a inocência mas o tornar-se inocente. O problema não reside em perder a inocência mas em não a conquistar.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Haikai do Viandante (124)

Paul Cornoyer - Early Spring in Central Park

Árvores em flor
rasgam o tempo de chuva:
água, luz e amor.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Enigma

Gustave Doré - O Enigma (1871)

A autêntica viagem não começa quando, como aconteceu com Édipo, se descobre o enigma proposto pela esfinge. Um enigma que se deixa decifrar não é um enigma, mas uma armadilha do destino. Para Édipo, a verdadeira viagem começou no momento trágico em que, ao saber que casara com a própria mãe, se cegou. A partir daí, não haveria mais enigmas decifrados, mas uma viagem de enigma em enigma, uma viagem em cada enigma se tornava cada vez mais enigmático. Assim, Édipo se tornou um viandante.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Poemas do Viandante (403)

Ivonne Sánchez Barea - Cienaga azul I (1999)

403. O azul desliza sob os meus dedos

O azul desliza sob os meus dedos,
promessas trazidas do mar,
o resto dos dias frios,
a verdade que se esconde ao olhar.

Construíamos paisagens de gelo
e aguardávamos a primavera,
a sombra dos primeiros frutos,
os ventos correndo sobre a hera.

A breve simplicidade do céu descia
e em nós abria-se volátil.
Trazia paisagens de cobalto
presas a um fogo de luz anil.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Distorção de si mesmo

Francis Bacon - Three Studies for Self-Portrait (1974)

As estratégias de representação do self (si-mesmo), tanto do próprio como de outros, usadas por Francis Bacon têm o especial condão de tornar evidente o que há de distorcido na representação de si. Contentamo-nos com uma visão apolínea de nós mesmos e dos outros, uma visão que nos tranquiliza e nos mergulha numa doce ilusão, uma ilusão, por feios que sejamos, que é sempre um exercício de narcisismo. Mas, sob essa capa, esconde-se o tenebroso, o fundo obscuro de uma natureza a que nos tornámos estranhos. 

As religiões foram sempre dispositivos tecnológicos para enfrentar esse tenebroso, para o apaziguar e domesticar. A pintura de Bacon inscreve-se num tempo em que a religião perdeu essa força primordial. Ela mostra uma dupla distorção na representação do self. Por um lado, denuncia a representação natural como uma ilusão, como uma distorção da nossa verdade. Por outro, mostra o que de distorcido se esconde em nós. Deixa ainda lugar para a suspeita de que o interesse em si mesmo é a fonte de todas as distorções. Estes quadros de Bacon podem ser lidos como uma preparação espiritual ao abandono de si mesmo.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Poemas do Viandante (402)

Ivonne Sánchez Barea - Cienaga verde (1999)

402. Traços de luz sobre a terra

Traços de luz sobre a terra,
o coaxar nos pântanos,
as promessas matinais
que a vida se esquece de cumprir.

Não vale a pena
pegar no velho rosário e orar.
Os dias ainda são pequenos,
e tudo o que tínhamos a dizer
deslizou silencioso
para a pátria do esquecimento.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Caminhos entrelaçados

Virginia Lasheras - Caminos entrelazados (1993)

A viagem, à primeira vista, parece um acto solitário. Um viandante sente o apelo à procura de si, à busca da verdade, e toma, em solidão, o caminho. Com o decorrer do tempo, quer a viagem se faça por senda direita, quer o viajante se perca em labirintos, descobre-se que toda a viagem é um entrelaçamento de caminhos, dos caminhos vários que cabem ao viandante percorrer, mas também um entrelaçamento com os caminhos de outros viandantes que, também eles, sentiram um solitário apelo à viagem. Torna-se assim a viagem num exercício de comunidade, na construção de uma comunhão entre indivíduos que procuram, um exercício de solidões discretamente partilhadas.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Haikai do Viandante (123)

Benvenuto Benvenuti - Agosto. Sera (1901)

Árvores rasgadas
pelo império da noite;
da luz, tão cansadas.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Do abandono

Salvador Tuset - Abandono (1946)

A temática do abandono é das mais dialécticas, pois contém nela uma contradição insanável. A dor de ser abandonado e o sentimento de desamparo crescem na medida em que alguém não se abandonou. Quanto mais centrado em si, quanto mais importância se concede a si mesmo, mais o abandono e o desamparo se tornam dolorosos. Mas como poderá ser tocado pelo abandono e pelo desamparo quem já se abandonou e nada espera?

sábado, 26 de janeiro de 2013

Poemas do Viandante (401)

Gregorio Prieto Muñoz - Aranjuez (1918-1919)

401. Sou agora um poeta romântico

Sou agora um poeta romântico.
Chego sempre tarde ao meu tempo,
e o tempo que me cabe nunca é o meu.
Sonho com castelos de pedra dura
e claustros góticos onde caminhei.
Sonho com os dias passados
e a glória que nunca viverei.

Sou agora um poeta romântico
e sento-me na esquina dos dias
à espera de um vislumbre do que passou,
do relâmpago que me traga um outono,
as preces dolorosas que nunca rezei.

Sou agora um poeta romântico
e oiço o concerto de Aranjuez,
o velho palácio onde solitário
o espírito deambula perdido
entre a evocação do passado godo
e os timbres metálicos do futuro 
que, apressado, dilacera o coração.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Poemas do Viandante (400)

Asher Brown Durand - Un arroyo en el bosque (1865)

400. Voltemos a esses dias transfigurados

Voltemos a esses dias transfigurados,
à pureza da água,
ao silêncio dourado no horizonte.

Por vezes, ouve-se um anjo cantar,
o sussuro aceso nas folhas do arvoredo,
o tronco derrubado onde te sentas
e escutas em silêncio o meu silêncio.

Se a noite se aproxima, 
seguimos caminho fora,
os pés na água fria da primavera
e os olhos postos
no santuário perdido no bosque,
onde esperam os últimos peregrinos.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Poemas do Viandante (399)

Pierre Bonnard - O Jardim  (1937)

399. Caminhava entre ervas e flores

Caminhava entre ervas e flores
e esperava o Sol vindo da noite,
a carícia de um olhar,
a promessa que era a vida.

Os sinos calaram-se
e nos campanários zunem varejeiras,
zune o silêncio com que colhia
a breve flor do teu jardim.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Escutar o rumor

Giacomo Balla - Velocidad de automóvil (1912)

Sabemos que esta mitologia (a do progresso) se desmorona. Mas qual será hoje para os indivíduos a tradução subjectiva dessa significação, dessa realidade que é a «expansão» aparentemente «ilimitada» do «poder de controlo»? (Cornelius Castoriadis. A Ascensão da Insignificância)

A pergunta de Castoriadis é colocada em 1996. Hoje em dia não perdeu actualidade, antes pelo contrário. A mitologia do progresso era uma forma de idolatria. O homem, perdido de si e em busca de consolo, fabrica a cada momento ídolos. O fim da idolatria do progresso abre certamente para a insignificância, para a irrelevância, para uma perda de si ainda mais radical. Mas como qualquer destruição de um culto idolátrico, a destruição deste é também uma oportunidade para o homem se confrontar consigo mesmo e aprender a escutar o rumor que o habita e que não é outra coisa se não a voz que o convocou para a existência.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Haikai do Viandante (122)

Modesto Urgell Inglada - Apunte de puesta de sol

Eis o dia cansado,
um mar vermelho que se abre
nos braços da noite.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O templo do Espírito

Paul Gauguin - Y el oro de sus cuerpos (1901)

A espantosa definição paulina do corpo, como «templo do Espírito», opõe-se radicalmente aos esquemas usuais do helenismo. Herdado do pitagorismo, o famoso jogo de palavras sobre o corpo-túmulo (soma/sema) reencontra-se em Platão, impregnado duravelmente toda a mentalidade ocidental, antes e após Cristo. (Christian Belin, Le Corps Pensante - Essai sur la Méditation Chrétienne, p.118)

A visão negativa do corpo, visão tão espalhada na história do Ocidente, é, na sua essência, anticristã e claramente pagã. Mesmo quando é veiculada pela Igreja - e isso acontece muitas e muitas vezes - essa visão não deixa de ser aquilo que é e não deixa de estar em contradição com o próprio cristianismo. Não se trata, no cristianismo originário, de opor o Espírito ao corpo, mas de uma reconciliação entre ambos. A redenção do homem na cruz de Cristo, o tema central do cristianismo, é também a redenção do corpo humano, a ultrapassagem da visão negativa do corpo proveniente de doutrinas como o pitagorismo. A natureza do cristianismo não é a reactividade ao corpo ou à matéria, mas a sua revalorização e salvação. Ora isso implica que o corpo, onde se inclui a sexualidade, deva ser pensado num contexto emancipatório (o que não é sinónimo de libertino) e moderno, pois só assim a definição de Paulo de Tarso continuará, ou tornará, a fazer sentido.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Liberdade e mística

Maria Helena Vieira da Silva - Liberdade (1973)
 
A mística, correctamente compreendida, é o reino da liberdade: liberta o homem tanto dos seus condicionantes transcendentes como dos imanentes, sem o deixar afundar-se numa libertinagem anárquica, porque lhe abre-lhe a via para realizar a sua identidade. (Raimon Panikkar, Mystique plénitude de Vie, p. 210)
 
Para além da liberdade de iniciativa - a possibilidade de iniciar uma acção determinada por si mesmo -, há uma outra liberdade, aquela que nasce da libertação daquilo que nos torna estranhos a nós próprios e que nos aliena. Quando Marx afirma a religião como o ópio de povo, percebe-se que ele próprio possui uma visão alienada do fenómeno religioso e não compreende que a emancipação efectiva não só é anterior à questão económica e política, como tem uma natureza muito mais radical. Emancipar-se significa libertar-se tanto das condicionantes interiores como das exteriores. Ora é isto que as diversas escolas místicas propõem como experiência pessoal, certamente dentro de comunidades, mas não como projecto colectivista. Encontramos assim uma outra porta de entrada na modernidade, de onde a experiência religiosa não terá de ser expulsa mas onde se pode constituir como o elemento central do ser moderno. As diversas libertações e emancipações modernas, desde o liberalismo racionalista ao marxismo, são apenas visões degradadas e decaídas de uma experiência da liberdade muito mais fundamental, aquela que é o objecto central da mística.


sábado, 19 de janeiro de 2013

Sonetos do Viandante (13)

Luca Giordano - Orfeo e le Baccanti
 
13. Animal imperioso, sem destino

Animal imperioso, sem destino,
filho espúrio da terra, guardador
de todos os rebanhos desterrados,
protector desta casa de silêncio.

O vendaval que esperas há-de vir,
no tumulto da noite, na lembrança
dos dias em que cantámos a sombria
canção dos deserdados da fortuna.

Na mão terás de Orfeu a velha lira.
Desabarão palácios de cristal
ao som da melodia que nasce em ti.

Os rebanhos esperam-te, exaustos,
silenciosos, sem mácula no olhar.
Trazem nas mãos serpentes, luas e flores.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Haikai do Viandante (121)

Benvenuto Benvenuti - Alba in padule (1926)

Secreta a manhã
ergue-se no escuro pântano.
Céu de sombra e luz.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O homem crepuscular

Rafael Romero Barros - Crepúsculo (1890)

Por vezes diz-se "somos homens crepusculares". Talvez se queira dizer com isso que somos homens tardios, que pertencemos a um tempo em que uma antiga luz envelheceu e tudo se prepara para entrar na noite, essa negra noite que culminará a tenebrosa idade de ferro que nos foi dada a viver. Mas esta mitologia esconderá antes uma outra coisa. No crepúsculo pensa-se esse momento em que o dia hesita entre a luz e as trevas. Ora essa é a situação de cada um, aquilo que no post de ontem se denominava como o impreciso e o sombrio. O importante, porém, é o destino que se escolhe, aquilo pelo qual o ser anseia. Escolher a luz significa caminhar de claridade em claridade, sem que, nesta vida, seja possível sair do impreciso que a sombra sempre nos impõe.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O impreciso e o sombrio

Pierre-Albert Marquet - Céu nublado em Hendaya (1926)

É nos dias nublados que melhor se vê, pois essa é a situação que se adequa à nossa condição mortal. As trevas tornam tudo negro e a pura luz cega-nos. O caminho do Viandante é feito de sombras, névoas e neblinas. Aí constatmos que tudo é misterioso e não alimentamos a ilusão que podemos compreender o que se nos apresenta. Houve quem procurasse a clareza e a distinção. O Viandante procura o impreciso e o sombrio.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Poemas do Viandante (398)

Felix Vallotton - Road at St Paul (1922)

398. O que esperas nessa estrada?

O que esperas nessa estrada?
A sombra da tarde,
o toque dos sinos?

O rumor da luz anuncia
a pessoa amada.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Haikai do Viandante (120)

Lilla Cabot Perry - Mountain Village, Japan (1898-1901)

Vertigem de luz,
sombra pura da montanha.
O inverno findou.

domingo, 13 de janeiro de 2013

A etapa geométrica

Benjamín Palencia - Paisaje (1932)

As paisagens cubistas representam um momento importante na vida do espírito. Ao tornar a sensibilidade geométrica, o cubismo permite que esta encontre um caminho para a razão. Não é, todavia, a racionalidade que é a questão importante, mas o processo de desmaterizalição da representação do mundo físico, a espiritualização das sensações, a abertura para lá daquilo que os sentidos nos trazem. O mundo geométrico é um mundo purificado, um universo que perdeu a ganga da matéria e começa a perder os contornos das sensações, que num primeiro momento se tornam mais agrestes. São, contudo, já pura racionalidade, prontas a dissolverem-se numa experiência de luz e fluidez que a matéria sensível nunca permitirá.