Isidre Nonell Monturiol - Miséria (1904)
350. VIVEMOS OS DIAS EM QUE A POBREZA SE TORNA NATURAL
Vivemos os
dias em que a pobreza se torna natural,
pedra de
calcário arremessada no caminho,
um jogo de
palavras que fecha portas e janelas,
casas de
súbito assoladas pelo incêndio,
o devastador
sorriso nos que têm império.
Sou o mais
pobre entre todos os pobres,
pois nem
minhas são as palavras com que escrevo.
Nada tenho,
nada espero, nada quero.
A morte virá
e tornar-me-á tão rico
como
qualquer outro que para ela foi arrastado.
Dói-me,
porém, a roda do mundo
e o destino
avaro a cair sempre sobre os mesmos.
Dói-me a desfaçatez dos incendiários,
a insolência
dos que ordenam os jogos,
o despudor
homicida dos maiorais.
Entro para o
segredo que habita a floresta,
os míseros
matagais da infância,
o grito
inapagado do vento norte.
Conto os
ramos secos e os ninhos abandonados,
e essa é
agora a única pátria que me resta.