O caos é o símbolo do mundo. Mas não foi ao mundo que Ele enviou o Filho? Não foi nele, mundo, que o Filho peregrinou, mesmo que a sua peregrinação também tenha sido uma peregrinatio ad loca infecta? Não foi ao mundo que fomos enviados para que, em nosso peregrinar, exaltemos Aquele que não é deste mundo? O caos é apenas a matéria que espera o nosso operar ordenador, que nunca será apenas nosso. Nele, caos, também estão os deuses.
domingo, 29 de novembro de 2009
sábado, 21 de novembro de 2009
O eternamente necessitado
Dependente, eternamente necessitado, o viandante não cessa, em cada instante, de precisar da Sua ajuda. Se lhe lembram a autonomia, o senhorio de si, o viandante sorri e segue viagem. Nos seus lábios, um cântico de gratidão ao Senhor dos exércitos. Um soldado não deve apenas temer o seu general, terá de amá-lo e confiar-lhe, na cegueira da batalha, a vida. Do princípio ao fim.
Poemas do Viandante (62)
62. CORVO
a esquecida friagem
arrefece os olhos
de quem passa
um grito na tarde
e o corvo resvala
na fronteira
onde da vida
a morte se aparta
a esquecida friagem
arrefece os olhos
de quem passa
um grito na tarde
e o corvo resvala
na fronteira
onde da vida
a morte se aparta
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Seja feita a Vossa vontade
Seja feita a Vossa vontade. Mas quando ela vem sobre nós tão contrária ao desejo que nos habita, como pode ser tão pesada? É preciso que a Tua vontade seja feita, pois a nossa não é mais do que vontade corrompida. Mas esta corrupção é difícil de aceitar, de compreender, de avaliar segundo um mérito que não está aferido pelos nossos padrões. Agora que as circunstância manifestaram um querer que eu não quero, eu escuto "seja feita a Vossa vontade". Um silêncio dorido abre-se e uma luta entre vontades toma conta de mim.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Poemas do Viandante (61)
61. CALENDÁRIO DE ERVAS
era o tempo
em que nomeavas
as estações
calendário de ervas
segredo aberto
luz de aluvião
era o tempo
em que nomeavas
as estações
calendário de ervas
segredo aberto
luz de aluvião
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Poemas do Viandante (60)
60. FOGO E LÍRIOS
a música
pela noite
soletrada
fogo e lírios
a crescer
na pedra
pelo outono
maculada
a música
pela noite
soletrada
fogo e lírios
a crescer
na pedra
pelo outono
maculada
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Poemas do Viandante (59)
59. PROMESSAS DE AR
as colinas viradas
ao norte
o olhar vago
com que oiço
os pássaros
promessas de ar
numa casa
em vendaval
as colinas viradas
ao norte
o olhar vago
com que oiço
os pássaros
promessas de ar
numa casa
em vendaval
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Poemas do Viandante (58)
58. DESTINO
de que serve
falar do destino?
o vinho azedou
e na mesa
o pão endurece
é a luz de agosto
de que serve
falar do destino?
o vinho azedou
e na mesa
o pão endurece
é a luz de agosto
domingo, 25 de outubro de 2009
Poemas do Viandante (57)
57. GOTA DE FEL
a tristeza
de um pequeno prazer
a gota de fel
que cai
e começa
a arder
a tristeza
de um pequeno prazer
a gota de fel
que cai
e começa
a arder
Poemas do Viandante (56)
56. RUMOR
no vão
da janela
um rumor
de espelhos
e as folhas da acácia
abrem-se
ao entrar por ela
no vão
da janela
um rumor
de espelhos
e as folhas da acácia
abrem-se
ao entrar por ela
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Poemas do Viandante (55)
55. FOLHA DE ÁGUA
veio a sombra
e calou
a voz do sol
espalhou
uma lâmina
de água
sobre a erva
agora
um lençol
veio a sombra
e calou
a voz do sol
espalhou
uma lâmina
de água
sobre a erva
agora
um lençol
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
O silêncio cresce
O silêncio cresce desmesurado. Uma quase impossibilidade de escrever ou de ler, um sabor amargo de indiferença por tudo o que toca o caminho. Como se as palavras se tivessem gasto e fosse impossível pegar-lhes.
Poemas do Viandante (54)
54. ACENO
o gesto
que se afoga
no calor da água
as últimas folhas
suspensas
do sol de novembro
o aceno
que me despede
na viagem
o gesto
que se afoga
no calor da água
as últimas folhas
suspensas
do sol de novembro
o aceno
que me despede
na viagem
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Poemas do Viandante (53)
53. LUZ ESMAGADA
foi um longo estio
horas calcinadas
a poeira vinda do sul
e a luz esmagada abria-se
no almofariz da tua mão
foi um longo estio
horas calcinadas
a poeira vinda do sul
e a luz esmagada abria-se
no almofariz da tua mão
sábado, 3 de outubro de 2009
Poemas do Viandante (52)
52. AMÊNDOA ACESA
que fruto agradará
ao pano suave
de tuas mãos?
o musgo da tarde
a cambraia dos dias
a amêndoa acesa
na luz da melancolia
que fruto agradará
ao pano suave
de tuas mãos?
o musgo da tarde
a cambraia dos dias
a amêndoa acesa
na luz da melancolia
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Poemas do Viandante (51)
51. METÁFORA
o nome que te deram
– luz de erva
sobre campo de cinza –
chama por mim
velha metáfora
desliza na tinta
e afoga-se
na água do papel
o nome que te deram
– luz de erva
sobre campo de cinza –
chama por mim
velha metáfora
desliza na tinta
e afoga-se
na água do papel
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Poemas do Viandante (49)
49. CANTO
o peso da palavra
gota de orvalho
a límpida manhã
dessa voz
se as luzes acendiam
empurravam a noite
para o deserto
em silêncio
deus cantava
o peso da palavra
gota de orvalho
a límpida manhã
dessa voz
se as luzes acendiam
empurravam a noite
para o deserto
em silêncio
deus cantava
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Poemas do Viandante (48)
48. SOMBRA
tremem as folhas
sob o império
do vento
o sino repica
na sombra
do silêncio
e a mão desagua
na praia
do sentimento
tremem as folhas
sob o império
do vento
o sino repica
na sombra
do silêncio
e a mão desagua
na praia
do sentimento
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Poemas do Viandante (47)
47. CLAREIRA (2)
um enredo
de papel
o feixe de ervas
à cabeça
e de súbito
um segredo
traz a noite
à clareira
da tarde
um enredo
de papel
o feixe de ervas
à cabeça
e de súbito
um segredo
traz a noite
à clareira
da tarde
domingo, 13 de setembro de 2009
Poemas do Viandante (46)
46. UM MISTÉRIO
as ervas
juncam a boca
sabor agreste
trazido
pelo vento
da infância
às vezes
um presépio
a clareira da noite
mistério de luz
e abundância
as ervas
juncam a boca
sabor agreste
trazido
pelo vento
da infância
às vezes
um presépio
a clareira da noite
mistério de luz
e abundância
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
Poemas do Viandante (45)
45. IMPÉRIO
parto
o barco
aparelhado
velas
a água do mar
os ventos
calam-se
sob o negro
império
do luar
parto
o barco
aparelhado
velas
a água do mar
os ventos
calam-se
sob o negro
império
do luar
Força
Há alturas em que tudo se dissolve, mas não é a luz que vem e ilumina o fundo da alma. É antes um fogo caótico, o redemoinho da vida que tudo engole e despedaça. No cérebro abrem-se fracturas e o coração é um rio seco, abandonado pelas águas, de vegetação morta, povoado de fantasmas. Tudo então se multiplica, e se se perde a segurança que a unidade de si dá, não é porque se tenha adentrado mais e mais no caminho. Tudo parece ter voltado atrás. Como Sísifo, recomeço a subida, mas que força será aquela que pode vencer a ausência da minha própria força?
domingo, 6 de setembro de 2009
Poemas do Viandante (44)
44. CLAREIRA
a rede
animais prendia
o ramo partido
da macieira
cachos
a despontar
nas videiras
e o vento
noite fora
terror e cinza
apenas clareira
que se abria
no lugar
onde o coração
dormente
adormecia
a rede
animais prendia
o ramo partido
da macieira
cachos
a despontar
nas videiras
e o vento
noite fora
terror e cinza
apenas clareira
que se abria
no lugar
onde o coração
dormente
adormecia
sábado, 5 de setembro de 2009
Deixar vir
Deixar vir a noite com o seu silêncio, deixar vir a incerteza que a escuridão traz, deixar vir o sussurro da Voz que ecoa para lá do horizonte.
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
Poemas do Viandante (43)
43. SOBRE
sobre o rio
silêncio
de flores
espreita
a primavera
sobre o mar
nuvem
de cobalto
na voz
que espera
sobre o rio
silêncio
de flores
espreita
a primavera
sobre o mar
nuvem
de cobalto
na voz
que espera
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Esquecimento
Esquecer todos os projectos, os fins e os meios, esquecer-me até de esquecer, e deixar acontecer o puro devir do Espírito, segundo a lei que não conheço, a vontade que não domino, o fim que me ultrapassa. O esquecimento do esquecimento, eis a divisa que brilha no pendão.
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
Poemas do Viandante (42)
42. SÓS
inclino-me
para a mudez
da tua voz
e no segredo
arvorado
pela noite
canto-te
como se
estivéssemos
sós
inclino-me
para a mudez
da tua voz
e no segredo
arvorado
pela noite
canto-te
como se
estivéssemos
sós
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Dissipação
Passam os dias e o deserto cresce como uma ameaça ou uma promessa. Se quero agarrar o caminho, tudo se dissipa e é névoa, onde os olhos impotentes se cerram. Que faço tão longe de Ti? Que faço nesta prisão onde devaneio amarrado às sombras da velha caverna? São dias de chumbo os meus dias, horas sôfregas onde vejo o tempo passar diante de mim. Na inércia que me acomete, vagueio, mortal errante perdido de sua casa.
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segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Poemas do Viandante (41)
41. A FRONTEIRA
a folhagem
batida pelo vento
o chão de areia
a casa vergada
pelo tempo
assim escutava
o sopro a bater
no canavial
a fronteira
que subtraía
de um o outro
coração
a folhagem
batida pelo vento
o chão de areia
a casa vergada
pelo tempo
assim escutava
o sopro a bater
no canavial
a fronteira
que subtraía
de um o outro
coração
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