José María Molina Ciges - Presencia (1977)
Naquele
tempo, os discípulos de João Baptista foram ter com Ele e perguntaram-Lhe:
«Porque é que nós e os fariseus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» Jesus
respondeu-lhes: «Porventura podem os convidados para as núpcias estar tristes,
enquanto o esposo está com eles? Porém, hão-de vir dias em que lhes será tirado
o esposo e, então, hão-de jejuar.» (Mateus, 9,14-15) [Comentário de Gregório Magno aqui]
Um dos traços mais interessantes destas narrativas reside no seu carácter desritualizante. Gestos, acções e palavras não são propostos como processos formais de cumprir um ritual mas como resposta a um problema ou a uma inquietação dos homens. Perante o rito tornado gesto puramente exterior, no qual a tensão da vida foi esquecida ou mesmo suprimida, surge sempre uma posição radicalmente atenta ao momento, ao acontecimento naquilo que ele tem de inédito e de situado no espaço e no tempo. Com isso surpreende-se o evento originário que conduziu à institucionalização ritual de certas práticas tidas como religiosas.
A privação de alimentos, o jejum, como realização de um determinado preceito é destituído de qualquer sentido, caso não exista efectivamente uma razão vital a solicitá-lo. O texto de Mateus abre para um duplo sentido da experiência do jejum. A privação é vista como situação existencial e como caminho.
O primeiro jejum é a ausência de Si no próprio homem, é a alienção da verdadeira condição humana, o esquecimento do Verbo que nos institui e constitui, pelo qual somos realmente aquilo que somos. O esposo do texto não é outro senão esse Si, que está para além do nosso eu empírico e da nossa persona social, mas que constitui a nossa mais autêntica realidade. Este primeiro jejum dá-se quando nos privamos da nossa mais funda e autêntica realidade. É uma privação existencial, uma negação ontológica de nós mesmos.
O segundo jejum, o da privação de alimento ou do excesso de coisas, sejam estas materiais ou espirituais, é o caminho de restauração dessa presença real em nós mesmos. É um processo de confronto com a alienação, a redescoberta de um caminho para o que é essencial. Mais do que o carácter penitencial, que não deixa de ter, é o carácter emancipatório e libertador que se torna importante. Libertarmo-nos das nossas ilusões, daquilo que nos aliena, e abrir o caminho para o retorno desse autêntico Si, do esposo da grande festa nupcial. O segundo jejum é uma privação metodológica, um caminho para que a Presença se torne presente.