Naquela
hora, antes do dia se desvanecer,
há um brilho
nos céus e um cheiro a erva húmida,
odor vindo
do tempo da inocência,
anunciando a
estação das lamparinas,
os velhos
candeeiros a petróleo.
O vento chegava
com a frescura da serra,
para a
distribuir casa a casa, as portas abertas
e as janelas
onde se contrabandeava a solidão.
A noite
precipitava-se com uivos vacilantes,
enchia as
casas de tenaz escuridão
e traçava
mapas misteriosos
nas paredes,
férteis planícies brancas.
Ainda não
tínhamos uma biografia,
a vida não
passava de uma recolecção de
sensações,
tiras rasgadas no papel pardo,
aquele que
embrulhava sonhos e mercearias.
Se chovia, escutávamos
as águas a cair no telhado,
a escorrer
nos beirais, a precipitar-se nos baldes.
Era um tempo
de minúcia e ardor
e a vida um
cálculo contínuo,
a
persistência da flor no jardim encantado.
Cada gesto
rasgava um horizonte,
que logo o
murmúrio dos pinheiros cerzia,
fazendo
pensar num conto de fadas
ou na quimera
de um oásis no furor do deserto.
Voltaram, nesta
hora tardia, os sonhos,
promessas de
vida já esquecidas.
Chegam um
pouco antes da madrugada
e acordam-me
para as paisagens abandonadas,
que um
forasteiro tenebroso saqueou,
deixando um
rasto de cinza e desolação
naquelas
planícies brancas batidas pelo vento,
rasgadas
pelas águas da invernia.
Sonâmbulo,
ergo as mãos para a tua face
e oiço-te
respirar no silêncio da escuridão.