palavras são
armadilhas afáveis
deixadas no
caminho do incauto viandante
tecem uma
iluminação de sons
sobre a
esquadria inóspita do mundo
e prometem
tudo o que não podem cumprir
os lilases
em tuas mãos
o lenço que
te cai sobre os ombros
sobre o que não se pode falar
é preciso guardar silêncio
assim o disse
o filósofo no século que passou
mas a sua
visão estava doente
como uma
rosa fanada pelo tempo
nada há
sobre que possamos falar
mas tememos
a hora vazia
e trocamos
palavras para esquecer o medo
ou a
angústia que vem pelo crepúsculo
cheguei a
este instante da vida
e sei que
não há o dizível nem o indizível
se quem me
ama me dirige a palavra
diz na fala o
indizível do seu amor
e tudo o que
os homens apontam como indizível
só o é
porque eles o disseram
por isso ao
olhar o horto e o jardim
ou ao
escutar os bandos de estorninhos
descobri que
nada disso me interessa
falo porque sou humano
e não sei
latir ou ganir como um cão
para
exprimir a dor ou o prazer
uso palavras
para perfurar o silêncio
e riscar de
carvão a brancura da parede
cada frase
que construo é um jardim
pequenas
violetas e arbustos sem nome
os velhos
vasos de aspidistras secas pelo verão
falamos pois
amamos as emboscadas
com palavras
e uma gramática rude
construímos
laços e anzóis
e pensamos
que tudo isso é uma cidade
ruas e
avenidas ou um porto e o cais
assim cresce
o comércio sonoro
e
institui-se um mercado secreto
a palavra
que te dou pela palavra que recebo
passa assim a
vida
e no fluxo
das palavras esquecemos o rio
déspota
feroz que corre sem parar
da nascente
do passado para a sombria foz