Gustavo de Maeztu - A ordem (1918-1919)
No século passado, porventura devido à crescente influência de Nietzsche e ao prestígio da psicanálise inventada por Freud, emergiu a polémica sobre o desejo, se este era carência, falta, ou se, pelo contrário, excesso. Platão foi muitas vezes - e ainda o será - apontado como o pensador do desejo enquanto carência. Nessa carência pensa-se o mundo sensível em que habitamos como imperfeito, marcado pela falta presente em tudo o que é finito e limitado. Seria essa imperfeição do mundo que levava Platão a ficcionalizar o Mundo das Ideias, perfeito e imutável, objecto do desejo de todos aqueles que se dedicam à filosofia.
Esta leitura de Platão acaba por não dar conta da real dimensão da ordem do desejo que se expressa no platonismo. A ordem do desejo é balanceada entre o momento da carência e o momento do excesso. A carência de perfeição do mundo sensível que é o nosso e o excesso que se manifesta na ficcionalização desse mundo inteligível perfeito e imutável. Ficcionalizar o além, instaurar uma ordem metafísica, não é, ao contrário do que pensou Nietzsche, caluniar o real, depreciá-lo, mas encontrar a sua completude, tal como ela se manifesta na ordem desejante.