quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Silêncio

Nadar, Marguerite Ugalde, French Mezzo-Soprano, 1880s

Conheci-a muito bem, se é que podemos conhecer alguém que nunca vimos. Vivia por cima de mim. Nunca me cruzei com ela e a partir de certa altura encarei a possibilidade com verdadeiro terror. A primeira vez que a ouvi cantar fiquei paralisado. Aprendi a conhecer-lhe os movimentos da alma conforme ela cantava. Tristezas e alegrias tornaram-se-me transparentes. A melancolia preenchia-me o coração com a suavidade de um zéfiro. Isso bastava-me. Depois, caiu o silêncio. Um dia, dois dias, uma semana, um mês. Não mais ouvi a sua voz. Perguntei à porteira se ela tinha mudado de casa. Não, respondeu. Viajou, está doente, interroguei. Também não, disse e, com ar trocista, acrescentou: casou-se.

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