sábado, 30 de junho de 2012

Poemas do Viandante (285)

João Queiroz - Sem título (?) (1998)

285. EIS A ILHA MISTERIOSA ONDE ESCONDES O TESOURO

eis a ilha misteriosa onde escondes o tesouro
ao atravessá-la um nó apodera-se da garganta
abre-se terrível o universo em expansão
galáxias e desejos e poeiras cósmicas
tudo conflui para o centro da pequena vila
uma terra muralhada destruída pelo terramoto
as águas plácidas do rio sob a inclemência de julho

pego nas mãos das mulheres que amei
e sigo a sombra na calçada polida pelos anos
falam sobre a imprecisão das noites
as viagens feitas na leveza daqueles dias
a memória sepultada num hotel à beira da estrada

ela pensava no velho gato de schrödinger
enquanto compunha os jarros selvagens
a lembrança das flores trazidas nos braços
o prazer de ver a lua na janela sobre o lago
um coração de mulher regido pelo princípio de incerteza
tomado pelo exercício matinal do cálculo
a descoberta de uma inequação para inferir
a diferença entre os homens que amara

os avisos colados na porta eram um chamariz
todos se juntavam ali para os ler
e recitavam-nos como se fossem poemas
ou uma oração litúrgica na missa dominical
assim eram amados os editais
mais que todos o de abertura da época de caça
esse passeio tranquilo na memória longínqua

um violino expandia-se sobre a casa
começara um breve gemido no centro da terra
e lentamente as ondas cresceram
tomaram conta da desolação dos quartos
ocuparam as paredes e saíram pelas janelas
o mundo tornara-se uma onda sonora gigantesca
um tsunami a varrer a orla marítima
a noite que cobre de poeira a escuridão da lua
um fogo vindo da areia húmida e vazia

o odor de seda fresca vem dos teus braços
a cintilação da água no regaço azul das mãos

recomeço as contagens e as folhas mortas crescem
são uma ameaça dobrada pelos dedos
o eco de uma súplica desesperada no outono
não vim para medir a terra e construir um padrão
cavalgo os tumultos que o dia traz
e espero o matagal da noite
para compor um rosário de trevas

quero lá saber da batalha de waterloo
quero lá saber de napoleão e de wellington
escreverei apenas sobre o silêncio da montanha
dessa casa de pedra e colmo que me espera
as pernas despidas da mulher que amarei

quero lá saber da batalha de el alamein
quero lá saber de rommel e de montgomery
esperarei por ti no fundo do quintal
que venhas pura e sem biografia
página branca para a mentira do meu amor

fazia girar o pião sobre o cimento
enquanto a mãe cauterizava  a ferida
aquela que nasce selvagem no centro das células
inunda o corpo de frias respirações
e traz um grito o troar do cláxon  
a viagem vai começar
sem mapa nem bússola ou meta que te aguarde

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Poemas do Viandante (284)

João Queiroz - Sem título (?)

284. DAQUILO QUE SE SABIA APENAS A CERTEZA DO GRITO

daquilo que se sabia apenas a certeza do grito
um risco tracejado no mármore das encostas
o gesto com que se sentava ao chegar a casa
e esperava que a noite fechasse portas e janelas
para que o vento marítimo sossegasse nas ruas

algumas vielas reflectiam constelações 

e um saber ameaçador inscrevia-se nos recantos
onde sem desespero alguém discutia os equinócios
ou analisava a ortodoxia do celibato à luz dos concílios

era todo um saber feito de revoluções

uma epistemologia febril pendia das casas
traçava mapas em plantas inorgânicas
exaustas pelo roubo matinal do pólen

estranhos rictos inundavam as faces dos transeuntes

gente perdida e sem império pela baixa de lisboa
um pregão ouvido na distância do tempo
o exercício de juntar num aqui passado e presente
a linha laminada de onde parte o futuro

depois de aldrin e de armstrong 
a lua nunca mais foi a mesma
comentou e sentou-se a olhar os céus à espera de chuva
ou de um pássaro nocturno que trouxesse notícias

para lá da montanha tudo é obscuridade e segredo
e se as aves não regressarem pela noite 
dos desvarios do mundo pouco saberemos

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Poemas do Viandante (283)

João Queiroz - Sem título (?)

283. VEJO A IMAGEM DO POEMA SOBRE A ÁGUA

vejo a imagem do poema sobre a água
o doloroso exercício de conjugar as parcelas do mundo
recolhê-las na concha de algum molusco
e fazê-las sair para o palco sob a ordem ali criada

o lodo das águas escorria pela areia
e se caminhávamos de mãos dadas pelas rochas
avistávamos a limpidez das casas ao longe
as chaminés onde corria o fumo da incerteza
os dias fustigados pelo vento a semeiam

recolho-me numa dessas casas
para ouvir o bater do mar na praia e sonhar
um exercício de melancolia de quem envelhece
sente o corpo preso aos desacertos do tempo
as articulações esquecidas da antiga mobilidade
agora arame farpado doente pelo óxido de ferro
vindo na inclemência do uso ou na acidez das chuvas

sonho deitado na areia um corpo de mulher
a incerteza da pele sob a inspecção dos dedos
o murmúrio da voz na quietação da manhã

não lhe vejo a idade
apenas amo esse corpo na fragrância de mulher
ele a traz consigo ao deitar-se e deposita-a em mim
e espera o momento onde corro a cortina
e num passo de dança o tomo de assalto

as muralhas há muito caídas
espreitam ao longe a ondulação daqueles seios
o torpor voraz com que se entregam
folhas mortas de outono
num tempo esquecido de vindimas

poiso os óculos e descanso no húmus da terra
o livro entreaberto descai
mistura com o pó as folhas mortas e algumas formigas
enquanto a cidade rumoreja ao fundo
zumbe na distância monstruosa com que se afasta
escondendo o pensamento que a devora
deixando casas e carros carcomidos pelas ruas
os jardins secos e ávidos de amantes
o tribunal fechado e a comarca suspensa

oiço um longo elogio às tempestades matinais
mas recolho-me na fímbria da água
e deixo de lado a contabilidade dos frutos
as pêras e maçãs perdidas a laranjeira seca
os alvores do mundo que ardem no fundo da minha alma

sentado e solene sou um gato a cismar no poema
as palavras entreabertas dão para o teu quarto
e pé ante pé aproximo-me febril e cheio de música
e entro-te no corpo para anunciar a madrugada

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Poemas do Viandante (282)

João Queiroz - Sem título (?) 

282. OS CAVALOS MARÍTIMOS SEGUIAM À DESFILADA

os cavalos marítimos seguiam à desfilada
abriam sulcos de fogo e ardósia na superfície do mar
sob a paleta inconstante de um céu amargo e sedicioso
um céu sagrado pelas nuvens e um rasto de tinta branca
com que pintavas a madeira do portão que abria para o quintal
algumas roseiras floriam na lembrança da tarde
e uma flecha de cetim desenhava um rombo no coração

a desordem crescia sobre os dias e os anos
fazia de cada coisa uma recordação breve ou um rasto de luz
à espera da crueldade presa nas mãos
a velha malícia de devolver à vida o que a vida rejeitara

a casa de meus pais era um aquário branco
um santuário de terra fina e flores plácidas
o assombrado desejo de ver a família crescer e multiplicar-se
pratos sobre a mesa e o mar carbonizado ao fundo
aspidistras e sardinheiras à volta do altar
os vidros partidos de algum copo a tilintar no chão
alguém batia à porta para afugentar o medo das águas
o temor reverencial pela brutalidade do destino
a ânsia de ver as rochas sobre as intempéries vindas do oceano

tenho um ofício marítimo herdado de ninguém
conto barcos abandonados na baía
anoto números e cascos velhos desejosos de pintura
e oiço o rugir dos couraçados a antecipar o mês da guerra
colinas marítimas que se aproximam
suspendem o tempo e negam os alvores da madrugada

retido o fôlego o corpo baloiça na água
ouvem-se suspiros e gritos
o trabalhar longínquo das gruas sobre o porto
o rosnar das gaivotas se chega uma traineira
um relâmpago de silêncio crepita pelas águas
desenha o galope aceso do cavalo
e rasga as paredes de todas as casas que habitei
abre-as para o segredo de uma iluminação
para as breves orações que antecediam a páscoa
e o feliz acaso do meu corpo ressuscitar no segredo do teu

terça-feira, 26 de junho de 2012

Poemas do Viandante (281)

João Queiroz - Sem título (2005)

281. HAVIA RESTOS DE MINÉRIO PELA SUPERFÍCIE

havia restos de minério pela superfície
sombras soltas e uma vegetação rasteira
o céu acobreado e de longínqua reverberação adoecia
supurava nuvens de cobalto e enxofre
uma promessa de tempestade vinda do norte
sob o silêncio invernoso da tua respiração

naqueles dias entregavas-te às enumerações
de cada coisa fazias uma categoria
e o mundo era então fragmento e restolho
uma impossibilidade que se desfazia no calor da mão

se alguém soluçava ou um animal uivava
abriam-se caminhos de areia e pedra
restos de vegetação seca e sem préstimo

de casa avistava o cume
desenhava trilhos na memória
e assim construía paisagens sempre novas
impregnadas de árvores raquíticas
e sonhava naquele horizonte os cavalos de aquiles
perdidos num devaneio sem razão
ou o passeio dos filósofos na encosta sobre o neckar
onde holderlin o poeta inventou heidelberg

escrevia então longas cartas de amor
não porque amasse mas porque a vista empalideceu
perante a inclemência da paisagem
a encosta íngreme da montanha
e o céu repleto de ameaças furtivas
o odor a terebentina no patamar

piores eram os dias de junho
quando a primavera declinava e morria no verão
naquele calor que desperta o desejo da morte
ao afrouxar a vigilância das células
e infestar cada lugar com o suor das casas
a ameaça de orquídeas envenenadas pelos teus dedos

chegou a hora de subir a terrível encosta
o que nela me espera sabe-o o coração
ainda que uma jura secreta o impeça de o dizer
e assim fico na incerteza inconsolável
na ânsia de descobrir se o mal ou o bem são o meu lote

pego no saco vazio e tomo o caminho
desenhei-o nos dias quentes em que o verão me adolescia

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Poemas do Viandante (280)

João Queiroz - Sem título (2000)

280. FENDIDAS AS MURALHAS ABRE-SE UM CAMINHO DE LODO

fendidas as muralhas abre-se um caminho de lodo
e caminhantes mais afoitos julgam antever o peloponeso
confiantes no azul oceânico que se desdobra ao olhar
não sabem que perigo a vista encerra
nem da avidez da terra trazem ideia fundada
julgam apenas ouvir o canto de alguma sereia
e sonham os braços quentes molhados de água fria

o mar cansou-se de marinheiros
deixou os barcos vazios a vogar sem destino
as velas quebradas e os porões sem préstimo
bandos de gaivotas recordam-me a infância
trazem-me um grito soterrado no peito
o prenúncio dos grandes incêndios se o verão aquece

sento-me e digo isto é a porta da enseada e espero
espero a tua vinda ao cair da tarde
espero na esperança de entardecer ao teu lado
e enumero as bem-aventuranças prometidas

a morte não tem regra no seu operar
e se alguma contabilidade a rege não a conheço
ela vem e cobre com o seu véu o solitário perdido
dá-lhe por companhia o mais jovial dos transeuntes
estabelece aliança entre famílias inimigas
e rapta subitamente o herdeiro de uma longa estirpe

por isso todos a veneramos no segredo do coração
a ela erguemos altares de pedra e aço
e cobrimos o mar de náufragos exaustos
ou suspendemos a mecânica solar para que ela chegue
quando tarde a tarde anoitecer

tudo em mim freme nesta noite de azeviche
e o meu sexo duro entra no teu corpo
na infalível certeza da tua compaixão
empunho a lira e dedilho-te pobre eurídice
quero-te sob o vento marítimo ou nas areias azuis 
conto-te os dedos como se fossem estrelas
e construo constelações na incerteza dessas mãos

ofereces-me o lodo do caminho para a paisagem oceânica
para depois me dizeres eu sou a tua morte
e vivo no teu coração desde que foste concebido
guio cada um dos teus desejos sob a tempestade da vida
e faço-te cantar os passos que dás no segredo do mundo
sou a tua vida e o teu mundo sou a luz que te alumia a noite
e as trevas que te fazem suportar o meio-dia
eu sou a que te espera quando te deitas com outra
e a outra com que te deitas ainda sou eu
pois além de mim nada há no mundo
apenas um véu de ilusão criado pela minha arte
uma armadilha disfarçada de labareda
a canção de amor que nenhum outono suportará

esquece a muralha aberta sobre o oceano
são doces as pradarias onde apascento o meu rebanho
sou a mais suave das pastoras
ofereço-te o seio e o sexo e o sangue
dou-te a beber o mênstruo
e os meus lábios embalar-te-ão 
para que sonâmbulo me digas meu amor
enquanto se ouve o suave balir das ovelhas
e em mim encontres o aprisco onde a eternidade te recolhe

domingo, 24 de junho de 2012

Poemas do Viandante (279)

João Queiroz - Sem título (?) (2008)

279. NÃO ERA UM CAOS QUE NASCIA NO CENTRO DA FLORESTA

não era um caos que nascia no centro da floresta
nem um desejo de sangue puro e matinal
o teu corpo de mulher rolado no toldo destas mãos
velhas aspirações de homem solitário
sentado na orla da clareira
à espera de um pássaro ou do rosnar dos cães

se houvesse um espelho na água fria
ainda pensaria em narciso
mas nada por aqui devolve imagem ou som
e as ninfas há muito que partiram
o peso das sombras fazia desabar sobre elas o medo
e o deus cuidadoso recolheu-as em lugar incerto

uma floresta púbere ensombrada pelo sol
uma floresta perto do céu tocada pelos anjos
uma floresta de grifos e anémonas cantada em silêncio
invento pela manhã cada árvore e a sua sombra
desenho ramos e ervas e a terra negra
o fecundo respirar da tua boca
se o corpo se abre no húmus do chão
e o feto do meu amor te infecta
te traz uma doença prolongada e sem esperança
um estado terminal feito de ramos secos
e um barulho de buzinas na estrada ao longe
rio de alcatrão a circundar a floresta
uma raia plástica sem barreiras ou guarda fronteiriço

a estação avança por dentro da sombra
rasga um caminho de terra para trazer as primeiras chuvas
e o homem entregue ao celibato espera 
em cada ruído o sobressalto dos teus passos
o desejo desse corpo virginal
o dia de aleluia inscrito em delfos

os que tracejam caminhos na terra hesitam
todos os cheiros que ali crepitam são-lhes estranhos
uma ameaça de animal selvagem 
uma garra fria e mortal
todas as lâminas que a natureza esconde
a pedra com que david matou golias

é um lugar sem cor nem destino
um manto de vida a esconder a dança da morte
ali poisa o asceta para inventar um deserto
ali estaca o filósofo e desenha uma academia
ali um concílio de poetas faz o elenco das heresias

não era um caos que nascia no centro da floresta
apenas a minha pobreza crescia na vida minguada
e o tempo espairecia na obscuridade
e deus seguia o seu caminho de penumbra
e o amor de uma mulher gritava dentro de mim
e o desespero do mundo era uma paisagem fria de betão
a memória rememorada ao chegar
a entrega do passaporte para nunca mais voltar

sábado, 23 de junho de 2012

Poemas do Viandante (278)

João Queiroz - Sem título (?) (2005)

278. OS LUGARES ESCALAVRADOS NA ROCHA

os lugares escalavrados na rocha
noites que nunca chegam com o seu manto
veludo negro na melancolia do envelhecimento
campos de pedra e arenitos dispersos
sem cardos ou cactos
o grasnar incerto dos corvos ao meio-dia

de todas as histórias que me contaste
não retive uma
a memória pesa e inclina o corpo para as trevas
acende velas inúteis a santos já mortos
desfigurados no ócio da santidade
uma sina lida à entrada da igreja

o remoer dos intestinos acende uma vela
e a superfície lisa das encostas resplandece
enquanto se ouve ao longe o cacarejo do vento
o troar desabrido dos lábios sobre a pele

não há árvores de fruto ou prados tisnados pela geada
o lugar não se presta ao ofício de cuidar a terra
e as mãos cedem ao cansaço e adormecem
e a noite que nunca chega
para trazer os nomes que te fui dando
nos dias em que cantavas
nas horas submersas na lei do desprezo

trinta dias girou a terra em torno do sol
e as paredes de mármore um sublime grito de guerra
uma oração a um deus desvairado
o anteparo que protegia a terra da fúria oceânica
assim nos protegemos da memória
pequena deusa cruel e vindicativa
assim nos escondemos do punhal enferrujado
pronto para abrir um rio na planície do coração

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Poemas do Viandante (277)

João Queiroz - sem título (?) (2008)

277. HAVIA AINDA UMA LEMBRANÇA DO ÉDEN

há ainda uma lembrança do éden
e a verdade vem pintada nas faces
sem ocultar as rugas
e os sinais de imperfeição que nascem
ou o sorriso melancólico à chegada do calor

a paisagem verde e translúcida
sem casas nem plásticos nas bermas do caminho
sem o odor mutilado pela presença humana
o rasto de quinquilharia exposto
à sentença cruel dos céus

a longa planície anuncia a cordilheira
suspeitam-se pássaros
e um rumor na terra traz o réptil
lentos exercícios na humidade do solo
disparos longínquos no tempo de caça

encosto o ouvido às pedras do chão
e oiço um bater surdo e descompassado no peito
a memória que de ti trazia
agora um papel rasgado em fragmentos de solidão
perdido num lugar onde tudo desaparece

convoco todos os meu mortos
eles apressam-se e perguntam-me o porquê
olho a longínqua cordilheira
o denso matagal imagino-o esverdeado
e sorrio na paz - eles a trazem consigo

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Poemas do Viandante (276)

João Queiroz - Sem título (2009)

276. VIERAM DIAS TURBULENTOS

vieram dias turbulentos
tempestades sobre o mar
um rasto de vidros partidos
a pressa dos cães pela madrugada
anúncio de cinza e naufrágio

a dissolução dos elementos crescia
tracejava o horizonte de luzes
uma mulher chorava debruçada no cais
e tudo se esgotava na perfeição
com que as tuas mãos fechavam as janelas

quantas vezes seleccionava uma sintaxe
traçava uma armadura
e compunha a imagem revestindo-a de sílabas
baldes de areia e esperanças fugazes
na luz do meio-dia

ainda não peço dinheiro emprestado
mas cansa-me a realidade
a pobreza com que governo o poema
a espera dolorosa e fria
de uma traição em cada esquina

pudesse o meu coração amar
ainda que fosse a sombra da sombra de Deus
e o ritmo do sangue ao coagular
seria mais lento e mais distante
da gramática onde a morte se compõe