333. TODAS AS COISAS QUE ESQUECEMOS JAZEM NO FUNDO
Todas as
coisas que esquecemos jazem no fundo
que há no
centro do coração, pequeno baluarte
abandonado
às intempéries, ao vento ocioso
que do norte
chega, inunda ruas e traça mapas
de desespero
nos teus olhos cansados de solidão.
Por vezes,
há tumultos nas ruas ornadas de silêncio,
homens
correm no desvario e ouvem-se gritos,
palavras
repetidas como se a língua minguasse
e nada mais
houvesse do que aqueles sons.
Pegas no que
é teu e leva-lo para dentro de ti,
é agora um
segredo, matéria vegetal para combustão,
memória que
busca no futuro o rasto do passado.
Estremeces, se
te olho deste lado do mundo,
e as tuas
mãos tornam-se imprecisas, sombras delidas,
uma chaga tardia
a arder sob o império da noite.
Depois,
olhas o céu e contas angústias e desencantos,
tortuosas estrelas
com que inventas constelações,
uma leitura
da vida, o breve rosário da ressurreição.
Quando chega
o mês de setembro e o verão moribundo
regurgita de
vida, começam contagens e balanços,
exercício
inútil de um deve e haver que corrói a alma,
a inunda de
ferrugem e a abre para a secura do jardim.
A falta de
água trouxe a morte à pequena flora,
inscreveu,
no solo bravio, uma poeira persistente e
infinita, o
traço de um desejo que se extraviou no calor.
Sentas-te
perante o tumulto das ruas e ouves cantar os ralos,
o imperativo
da vida num campo semeado pela morte.