segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Tornar-se completo

Edouard Manet - Cristo escarnecido por dois soldados (1865)

Jesus respondeu: «Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. (Mateus 19:21)

A resposta dada poderia e - deveria -, no seu início, ser traduzida por Se desejas ser completo no lugar de Se queres ser perfeito. A opção por Se queres acentua uma dimensão da razão prática, onde o que é sublinhado é a vontade racional, enquanto a opção por Se desejas (Se estás inclinado) acentua uma dimensão mais funda, enraizada no que há de mais essencial e mais vital em cada ser humano.  Também é preferível traduzir  τέλειος por completo e não por perfeito. Na verdade, são sinónimos, mas no uso corrente da língua portuguesa, completo torna mais acessível o que está em jogo. A resposta de Cristo não deixa de ser surpreendente. Um jovem questiona-o sobre o que fazer para atingir a vida eterna, e ele responde antepondo ao que deve fazer a seguinte condição para a acção: Se desejas ser completo.

O que está em jogo, então, é a realização da completude de si-mesmo. Como é que eu me torno efectivamente naquilo que sou? Que fazer se desejo essa completude? Se eu quiser ser completo, se for esse o desejo radical do meu ser, então encontro uma dupla prescrição dada num movimento de ir e vir. Devo ir para me despojar do que tenho mas não sou. Os bens não são apenas a propriedade material, mas aquilo que eu posso dizer que é meu, pois na possessão o eu já está submetido ao que possui. Este é o momento da emancipação do homem daquilo que lhe é estranho. Este ir que conduz à desapropriação só tem sentido pelo vir subsequente; vem e segue-me. Se desejo ser completo, então devo ir para me despir do que é inútil e devo vir para seguir o Cristo que em mim me chama à completude, isto é, a seguir o seu caminho, a tornar-me nele. Quem é esse Cristo que assim responde? É esse Eu que, sendo já completo, se torna completo nesse movimento de ir e vir.

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