quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Poemas do Viandante (373)

Amadeo de Souza Cardoso - A parede da janela (1916)

373. CHEGOU O TEMPO DE VENDERES AS MOBÍLIAS

Chegou o tempo de venderes as mobílias
e alugar a casa, não é aqui o teu posto,
nem te esperam já no velho café,
aquele que fechou as portas de ferro
e deixou ao relento os mármores das mesas,
e uma gente triste que vinha jogar
um daqueles jogos de mesa que a memória
apagou, como se apaga um incêndio.

Quando deixas de reconhecer o sentido das
palavras e o bulício traz o ranço do ócio,
nada aqui te diz respeito.
Não deixes que os uivos te enlameiem a alma
e uma hesitação nasça no coração.
Fecha a porta e esquece a cidade,
deixa as praças encherem-se na noite
e o trânsito transbordar nas pontes.
Não chames teu a um lugar que nunca o foi,
nem te comovas com a flor dos jacarandás.

O que se viveu e amou traz em si o peso
da morte, o rasto vazio de um cometa que o céu
tragou, e que não mais voltará.
Olhas os velhos ciprestes presos ao alto,
enquanto uma chuva fina cai sobre a tarde.
Os frutos estão maduros, há que colhê-los,
e levá-los para bem longe, um outro lugar,
uma pátria envolta de arvoredo,
uma pátria coberta pelo silêncio do coração,
a janela que ao longe se ilumina e te chama.

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