Amadeo de Souza Cardoso - A parede da janela (1916)
373. CHEGOU O TEMPO DE VENDERES AS MOBÍLIAS
Chegou o
tempo de venderes as mobílias
e alugar a
casa, não é aqui o teu posto,
nem te
esperam já no velho café,
aquele que fechou
as portas de ferro
e deixou ao relento
os mármores das mesas,
e uma gente
triste que vinha jogar
um daqueles
jogos de mesa que a memória
apagou, como
se apaga um incêndio.
Quando
deixas de reconhecer o sentido das
palavras e o
bulício traz o ranço do ócio,
nada aqui te
diz respeito.
Não deixes
que os uivos te enlameiem a alma
e uma
hesitação nasça no coração.
Fecha a
porta e esquece a cidade,
deixa as
praças encherem-se na noite
e o trânsito
transbordar nas pontes.
Não chames
teu a um lugar que nunca o foi,
nem te
comovas com a flor dos jacarandás.
O que se
viveu e amou traz em si o peso
da morte, o
rasto vazio de um cometa que o céu
tragou, e
que não mais voltará.
Olhas os
velhos ciprestes presos ao alto,
enquanto uma
chuva fina cai sobre a tarde.
Os frutos
estão maduros, há que colhê-los,
e levá-los
para bem longe, um outro lugar,
uma pátria
envolta de arvoredo,
uma pátria
coberta pelo silêncio do coração,
a janela que
ao longe se ilumina e te chama.