a névoa
matinal retira-se tardiamente
após luta
tormentosa o sol venceu a noite
e veio
mostrar o fulgor do dia
os
imperativos cintilantes do ofício da vida
aquilo que
do subterrâneo chama os homens
os cativa e
lhes rouba suor e sangue
a pequena
porção de lágrimas a chorar
a tristeza
com que velas a face
e todas as
coisas que fogem ao teu desejo
são pequenos
animais bravios na cidade
páginas em
branco onde recusas ver a escrita
pequenas
mensagens que a vida deixa
na pegada de
uma história por acontecer
se são dias em
que o sol tarde se levanta
alguém pega
no telemóvel e fala e fala
um rumor de
palavras numa corrente ébria
a pressa de
dominar o dia e a semana
pequenos
projectos em luta conta o destino
o terrível
encontro em samarcanda
pois seja
dia ou noite o obstinado anjo
veste-se de
negro e sai para ganhar o pão
sobre mim
vêm moscas e melgas
insectos
fugidos da demência do inferno
abrem uma
fissura na grande muralha
e entram silenciosos
casa adentro
destroem
sonhos e férteis desejos
agora
grandes naufrágios no mar da vida
pobre
metáfora sem dor ou consequência
encerro-me
na solidão que me habita
e vejo o
mundo fora do mundo
e tudo o que
eu amo chega até mim
em
fragmentos e pequenas imagens
são avisos e
injunções ou pequenas ordens
que me
dobram à exígua realidade
o exercício contumaz
de uma cobardia
se pudesse
ofereceria cursos de silêncio
o modo como
os lábios se devem cerrar
e manter a língua
presa na caverna da boca
ensinaria a
constância de cismar calado
ser gato ou velho
à espera da morte
naqueles
jardins vazios e sem flores
bancos de
madeira onde me sento e te espero