103. O GRANDE RIO
uma ilha
na roda da noite
a flor ébria
esquecida
um nome
entre provérbios
e cânticos no azul
desses lábios
aí começa
a peregrinação
o mar incendiado
as escamas
que saltam
os olhos abertos
para o grande rio
de onde tudo parte
sexta-feira, 14 de maio de 2010
quinta-feira, 13 de maio de 2010
A peregrinação errante
Interrogo-me muitas vezes sobre o modo como a Igreja Católica deverá falar aos homens de hoje. Refiro-me aqueles que consumaram em si o processo de modernização iniciado pela Reforma protestante e o Iluminismo. Por exemplo, o esforço de Bento XVI, uma das poucas vozes europeias que tem alguma coisa a dizer, tem sido notável, nomeadamente no campo da cultura, da arte, da filosofia, da dimensão social e política da acção dos homens. Por vezes, porém, sinto que há algo de verdadeiramente essencial que nós homens modernos aspiramos e que não encontramos na Igreja. Para além da questão da cultura e da arte, para além das questões sociais e políticas, para além mesmo das questões do rito e da teologia, é provável que a deriva em que vive o homem moderno esteja a criar um espaço para uma experiência espiritual profunda e radical.
Mais do que em outros momentos da História do Ocidente, a grande experiência do desvario, da alienação, da negação do Espírito, da dissipação da vida, tudo isso que constitui a humanidade ocidental separada já da Igreja (essa humanidade que, com Nietzsche ou na sequência deste, proclamou a morte de Deus), tudo isso, dizia, significa uma experiência desmedida de errância. Esta é o lado oculto da maioridade que os homens atingiram na sequência do Iluminismo. A errância, todavia, significa ainda peregrinação, mesmo que este peregrinar não tenha, ou ainda não tenha, um santuário onde se acolher.
Ora estes peregrinos, que não sabem que o são, são uma cada vez maior fatia das nossas sociedades, e talvez precisem de um outro tipo de linguagem, e de uma nova forma de diálogo. Talvez estejam já suficientemente maduros, embora não o pressintam nem a Igreja o compreenda, para o chamamento do Espírito. Para estes espíritos, aparentemente tão orgulhosos da sua errância, talvez o essencial não seja a questão da dogmática teológica, nem da renovação da perspectiva estética (bem necessária na Igreja, por sinal), nem do diálogo entre a Igreja e a cultura pós-moderna onde nos movemos, nem a problemática social e política (um ponto importante, na verdade). Tudo isso lhes parecerá ocioso. Melhor, tudo isso será sentido como cansativo e destituído de interesse.
Mas não estarão sequiosos que o Espírito fale para lá da Razão? Seja a razão teológica, ou estética, ou ética, ou política. Não estarão sequiosos da intranquilidade da aventura que será o encontro com aquilo que os constitui e os institui? A errância em que vivem não será já uma preparação para a intranquilidade da Via? Não precisará, por isso, a Igreja de encontrar dentro de si gente com profunda experiência e maturidade espiritual e que, a partir dessa experiência madura, possa falar com os homens de hoje, não como um pastor fala ao rebanho nem como um adulto fala a menores de idade, mas como peregrinos experientes na Via falam a outros que a procuram, mesmo que o não saibam? Não precisa a Igreja desses homens e de encontrar com eles outra linguagem?
Maturidade espiritual significará, pelo menos, duas coisas. Por um lado experiência efectiva na Via para a Verdade e para a Vida. Por outro, abandono da segurança da linguagem cristalizada e já morta que perpassa no ritual e na liturgia. Essa linguagem é, muitas vezes, pueril e contraproducente, já incapaz e impotente para conter o mistério e falar dele aos homens de hoje. Certamente que a Igreja Católica atravessa muitos e graves problemas. Mas talvez o mais grave seja o de não conseguir encontrar em si forças espirituais suficientemente maduras, criadoras e seguras para acolher os errantes e sequiosos peregrinos do mundo moderno. Peregrinos esses que muito provavelmente estarão pouco abertos para questões de dogmática e muito para experimentarem o Caminho.
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Espírito,
Igreja,
Peregrinação
Poemas do viandante
102. TRAIÇÃO
germina um canto
na solidão da noite
a imagem trazida num livro
onde recolho orações
sonhos transviados
a promessa esquecida
cavalo na estepe
o coração entrega-se
ao tempo inicial
lugar onde rememoro
cada metáfora
onde te traí
germina um canto
na solidão da noite
a imagem trazida num livro
onde recolho orações
sonhos transviados
a promessa esquecida
cavalo na estepe
o coração entrega-se
ao tempo inicial
lugar onde rememoro
cada metáfora
onde te traí
terça-feira, 11 de maio de 2010
Poemas do viandante
101. DANÇAR A POLCA
o disforme oráculo caminha
traz nas mãos a erva
do destino
duas pedras e uma rosa
que penduras no calendário
para que serve dançar a polca
a herança trazida da boémia
se a língua se prende
nas palavras que o silêncio
te sopra
o disforme oráculo caminha
traz nas mãos a erva
do destino
duas pedras e uma rosa
que penduras no calendário
para que serve dançar a polca
a herança trazida da boémia
se a língua se prende
nas palavras que o silêncio
te sopra
quarta-feira, 5 de maio de 2010
Poemas do viandante
100. A NOITE
a noite cobre-se
de seda e vem
negra e esplêndida
com asas de gavião
poisa no ramo
dos teus olhos
e apaga a luz
dos meus
a noite cobre-se
de seda e vem
negra e esplêndida
com asas de gavião
poisa no ramo
dos teus olhos
e apaga a luz
dos meus
terça-feira, 4 de maio de 2010
Poemas do viandante
99. TEMPESTADE
a tempestade zinca
a cidade
abre sulcos de fogo
na planície de cinza
faz cantar as nuvens
sobre as cabeças
sonâmbulas
de quem passa
a tempestade zinca
a cidade
abre sulcos de fogo
na planície de cinza
faz cantar as nuvens
sobre as cabeças
sonâmbulas
de quem passa
sábado, 1 de maio de 2010
Poemas do viandante
98. ESPERA
a viagem
essa hora aprazada
inunda-me
de poeira
aí te espero
como num alpendre
destelhado
olhos fechados
um incêndio
prestes a florir
a viagem
essa hora aprazada
inunda-me
de poeira
aí te espero
como num alpendre
destelhado
olhos fechados
um incêndio
prestes a florir
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Poemas do viandante
97. ÁRVORES
começaram a florir
as lentas árvores da cidade
rebanho perdido
nestes dias
que maio chama
para a rápida morte
ainda nada está decidido
estendem para o céu
as pobres árvores
os ramos
dedos cansados
de tanto florir
cobertas de folhas
esperam o Outono
o frio que te há-de
despir
começaram a florir
as lentas árvores da cidade
rebanho perdido
nestes dias
que maio chama
para a rápida morte
ainda nada está decidido
estendem para o céu
as pobres árvores
os ramos
dedos cansados
de tanto florir
cobertas de folhas
esperam o Outono
o frio que te há-de
despir
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Poemas do viandante
96. FLORESTA
a floresta tardia
veste-se de
natureza caligráfica
arvora letras
sílabas indecisas
as primeiras palavras
com que o vento
então falava
a floresta tardia
veste-se de
natureza caligráfica
arvora letras
sílabas indecisas
as primeiras palavras
com que o vento
então falava
domingo, 25 de abril de 2010
Poemas do viandante
95. ESPLENDOR E CINZA
no jardim virado ao pretérito
traço a rua por onde
imóvel
caminhas
vens
sem vestes luminosas
esplendor e cinza
dos meus olhos
no jardim virado ao pretérito
traço a rua por onde
imóvel
caminhas
vens
sem vestes luminosas
esplendor e cinza
dos meus olhos
sábado, 24 de abril de 2010
Poemas do viandante
94. OS QUATRO ELEMENTOS: TERRA
montes sobre a planície
a ilha a que chamas
presente
poeira lançada sobre o muro
daquela casa
que é uma lezíria
assim tão sólida
recorda campos baldios
à espera que mendigos cheguem
e de joelhos
estendam a ferida mão
sobre a poeira da terra
montes sobre a planície
a ilha a que chamas
presente
poeira lançada sobre o muro
daquela casa
que é uma lezíria
assim tão sólida
recorda campos baldios
à espera que mendigos cheguem
e de joelhos
estendam a ferida mão
sobre a poeira da terra
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Poemas do viandante
93. OS QUATRO ELEMENTOS: ÁGUA
uma orquídea
o rumor de algum pássaro
a pele suada
à luz da tarde
deixo cair a mão
sobre a névoa do meio-dia
e afogo-me na água
onde tudo arde
uma orquídea
o rumor de algum pássaro
a pele suada
à luz da tarde
deixo cair a mão
sobre a névoa do meio-dia
e afogo-me na água
onde tudo arde
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Poemas do viandante
92. OS QUATRO ELEMENTOS: AR
nem sempre é naufrágio
o que derrota os barcos
e devolve o marinheiro a terra
nem sempre é medo
o que cala o solitário
e na escuridão o encerra
há ainda o vento
sopra onde quer
e para aqui ou ali te leva
nem sempre é naufrágio
o que derrota os barcos
e devolve o marinheiro a terra
nem sempre é medo
o que cala o solitário
e na escuridão o encerra
há ainda o vento
sopra onde quer
e para aqui ou ali te leva
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Poemas do viandante
91. OS QUATRO ELEMENTOS: FOGO
o lume arde
nesses dedos
cobertos de seda
vestidos de cambraia
o lume é uma máquina
decepa as mãos
na vindima ardente
de uma ilusão
sonhos são sedas
e cambraias a arder
nos dedos mecânicos
da decepada mão
lume
o sonâmbulo sonho
onde te escuto
sob a copa desta faia
o lume arde
nesses dedos
cobertos de seda
vestidos de cambraia
o lume é uma máquina
decepa as mãos
na vindima ardente
de uma ilusão
sonhos são sedas
e cambraias a arder
nos dedos mecânicos
da decepada mão
lume
o sonâmbulo sonho
onde te escuto
sob a copa desta faia
terça-feira, 20 de abril de 2010
Poemas do viandante
90. MÃO QUEBRADA
uma ligeira comoção
a nortada uivava
e o coração desordenado
crescia
tumor ancorado
na falência das células
nasci sob o princípio de incerteza
a mão quebrada
o toiro cantando
na solidão da arena
a tua voz ao longe a sussurrar
no desamparo de mim
uma ligeira comoção
a nortada uivava
e o coração desordenado
crescia
tumor ancorado
na falência das células
nasci sob o princípio de incerteza
a mão quebrada
o toiro cantando
na solidão da arena
a tua voz ao longe a sussurrar
no desamparo de mim
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Poemas do viandante
89. PALAVRAS
as palavras ditas
véspera das que hão-de vir
cobrem de rugas
o palácio
deixam um hálito vulcânico
sobre a mesa
um longo verão
sem pão e vinho
o rosto
pássaro pousado
na sóbria memória
chamaste-lhe morte
as palavras ditas
véspera das que hão-de vir
cobrem de rugas
o palácio
deixam um hálito vulcânico
sobre a mesa
um longo verão
sem pão e vinho
o rosto
pássaro pousado
na sóbria memória
chamaste-lhe morte
domingo, 18 de abril de 2010
Poemas do viandante
88. CANTO
um frio silêncio caiu
a pedra branca talhada
indício de fogo e gelo
o espaço feito noite
a palavra desaguada
sacudida de esperança
canto
é tudo o que resta
se a sombra de tuas mãos se vai
canto
no frio silêncio do gelo
no fogo da palavra
no espaço sem esperança
canto
e a súbita primavera ateia
de flores o velho castanheiro
um frio silêncio caiu
a pedra branca talhada
indício de fogo e gelo
o espaço feito noite
a palavra desaguada
sacudida de esperança
canto
é tudo o que resta
se a sombra de tuas mãos se vai
canto
no frio silêncio do gelo
no fogo da palavra
no espaço sem esperança
canto
e a súbita primavera ateia
de flores o velho castanheiro
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Poemas do Viandante (86)
Asher Brown Durand - Forest in the Morning Light (1855)
86. De que vale
De que vale
o refúgio
na floresta,
se a noite
morre
na luz da manhã?
Indecisa,
exígua,
rio sem margens,
a luz chega
e anoitece
o coração.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
Poemas do Viandante (85)
Georgia O'keeffe - White Rose and Larkspur (1900)
85. A rosa branca
do abandono
trago-a comigo.
Dorme na noite,
relâmpago
coberto de nuvens
e vento da floresta.
Quando se abre,
a terra treme,
e um império nasce
na água do mar.
domingo, 11 de abril de 2010
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Poemas do Viandante (83)
Salvador Tuset - Anticoli (1913)
83. Junho
Junho
abre-se.
Refúgio
de luz,
ardor
de rosa,
incêndio
de matagal.
domingo, 4 de abril de 2010
Poemas do Viandante (82)
Pablo Picasso - Cabeça de Fauno (1937-1938)
82. Ausentou-se
Ausentou-se,
perdeu o limiar
e a voz ecoou
na noite desabrigada.
Ao ir pelo mundo,
o viandante rodopia
no centro da vida.
Fauno nas trevas,
anjo sobre a cidade,
a escura luz
destes versos.
sábado, 3 de abril de 2010
Poemas do Viandante (81)
Christian Bérard - The Seventh Symphony. A Bird (1938)
81. Um animal ferido
Um animal ferido
tomba
pelo chão,
entre juncos
de sombra
e ervas abertas
para a luz.
Pobre orquídea
de fogo
e penumbra,
pássaro caído
na véspera do verão.
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Páscoa e tempo
O mistério pascal, a morte e a ressurreição. Por vezes, diz-se "tempo de Páscoa", mas nunca se percebe nessa declaração a tautologia aí presente. Pensamos que há um tempo de Páscoa, outro de Natal, um de Carnaval, ou pensamos em tempos profanos, como aqueles onde, nos dias de hoje, decorre a vida dos homens. Isso ajuda-nos a falhar a compreensão da tautologia. Entre cada instante e a Páscoa cristã há uma semelhança que talvez seja pertubadora. A Páscoa dos cristãos é marcada pela morte de Cristo e a sua ressurreição. Ora esta narrativa plasmada no tempo, entre sexta-feira e domingo de madrugada, permite apreender a essência do instante temporal. Nas Confissões (IX, 14), Agostinho de Hipona, enfrenta o tempo com uma aporia: "Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a perguntar, já não sei." Uma aporia é o sintoma de uma dificuldade, quando não de um mistério.
O que acontece a cada instante é uma morte e uma ressurreição. Na cruz do instantes (cruz, pois lá se cruzam passado e futuro) crucifica-se o ser que somos mas que deixamos de ser, morremos para o que fomos, que passa a ser apenas memória e passível de rememoração. Mas essa morte é a condição de possibilidade da vida que está a chegar. Morremos e ressuscitamos, instantaneamente. A Páscoa ao sacralizar esse instante de morte e ressurreição dá-lhe uma dimensão absoluta. Na mais relativa das relatividades, o instante, encontramos a dimensão do absoluto. Ao morrermos, ressuscitamos para a eternidade. Esta já está aí, embora sejamos cegos para o que está aí. A Páscoa talvez não seja mais do que um exercício de abertura dos olhos ou de focalização do olhar.
domingo, 21 de março de 2010
Poemas do Viandante (80)
Claude Monet - The Red Kerchief: Portrait of Camille Monet (1860-70)
80. Sob a sombra
Sob a sombra,
um desejo
de água,
promessa
de noite,
se demoras.
E assim fico
no vidro
da manhã,
esperando
o sono,
contando
as horas.
terça-feira, 9 de março de 2010
Poemas do Viandante (79)
George Inness - Twilight (1860)
79. Veio o crepúsculo
Veio o crepúsculo
no dorso da tarde
e pediu pão e vinho.
Saciado, levantou-se,
ergueu os olhos
para a noite
e, como uma rosa,
em silêncio se despediu.
segunda-feira, 8 de março de 2010
Poemas do Viandante (78)
Martin Johnson Heade - Approaching Thunderstorm (1859)
78. Das nuvens
Das nuvens,
o silêncio
do entardecer.
Tão húmido
e tão frio,
desliza na voz
que o vai trazer.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Poemas do Viandante (77)
77. Penumbra
Penumbra
de silêncio
e fogo.
Alegria
de sombra,
um cavalo
de sangue.
A voz
que oiço
e logo calo.
Penumbra
de silêncio
e fogo.
Alegria
de sombra,
um cavalo
de sangue.
A voz
que oiço
e logo calo.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Poemas do Viandante (76)
76. Despes as palavras
Despes as palavras.
Em cada sílaba
sopra o vento.
E tudo flutua,
a dor ao relento,
ou a seda rasgada
que te deixa branca,
leve e nua.
Despes as palavras.
Em cada sílaba
sopra o vento.
E tudo flutua,
a dor ao relento,
ou a seda rasgada
que te deixa branca,
leve e nua.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Poemas do Viandante (75)
75. Um império
Um império
de ervas e
tormentos,
um fulgor
de sedas,
um anjo
que desliza
e trémulo
voa na praia
do esquecimento.
Um império
de ervas e
tormentos,
um fulgor
de sedas,
um anjo
que desliza
e trémulo
voa na praia
do esquecimento.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Poemas do Viandante (74)
74. Os dias
Os dias
onde tudo era
água.
Uma rosa
abria-se
no quintal
e a dor crescia
vinda
no vendaval.
Os dias
onde tudo era
água.
Uma rosa
abria-se
no quintal
e a dor crescia
vinda
no vendaval.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Poemas do Viandante (73)
73. Uma erva baloiça
Uma erva
baloiça
sob a luz
do vento.
Vai e vem,
leve
se arqueia,
e ao tocar a terra
ergue-se
para o firmamento.
sob a luz
do vento.
Vai e vem,
leve
se arqueia,
e ao tocar a terra
ergue-se
para o firmamento.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Poemas do Viandante (72)
72. Sem rosto ou idade
Sem rosto ou idade,
sem luz na colina,
repouso na melancolia
e espero a sombra
que do poente
leva ao meio-dia.
domingo, 24 de janeiro de 2010
Propriedades
Chegar ao momento da verdade, àquela hora em que o ser e o compreender coincidem. O que sou eu? Nada, puro nada. Tudo o que trago não me pertence, tudo o que ostento foi roubado, tudo o que proclamo, plagiado. Mas será que compreendo tudo isso? Não, não compreendo. Todos dizemos coisas que não compreendemos. Quando o compreender, poderei dizer que tenho tudo e que sou o Rei do mundo. Agora, não passo de um pobre súbdito ajoujado ao peso das suas inúteis posses.
Poemas do Viandante (71)
71. No
desejo da mão
No
desejo da mão,
a voz da alegria.
a voz da alegria.
E um grito ilumina
o que fica de cada dia.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Poemas do Viandante (70)
70. UM PUNHAL RASGA A NOITE
Ave de sombra,
Um punhal rasga a noite
e canta em silêncio.
e canta em silêncio.
Ave de sombra,
pássaro de seda,
luz na boca que fala.
domingo, 3 de janeiro de 2010
Poemas do Viandante (69)
69. SOMBRA E CLARÃO
Sombra e clarão,
sulco de pedra,
lâmpada
onde ilumino o coração.
Sombra e clarão,
sulco de pedra,
lâmpada
onde ilumino o coração.
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Poemas do Viandante (68)
68. Noite, canção
Frutos são rios.
Noite, canção
da floresta.
da floresta.
Frutos são rios.
Sonham
a flor que resta.
a flor que resta.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Poemas do Viandante (67)
67. SE TE TOCO
Se te toco,
as cordas vibrarão
e na penumbra
o frio faz-se luar.
Se te toco,
as cordas vibrarão
e na penumbra
o frio faz-se luar.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Poemas do Viandante (66)
66. MURMÚRIO
o murmúrio da folha ao cair
desenha um raio de luz
voz que me chama ao partir
o murmúrio da folha ao cair
desenha um raio de luz
voz que me chama ao partir
O limite de mim
Por vezes sonho um corpo apenas para o poder desejar, e no desejo daquela pele ou de um olhar, saber-me na verdade do meu ser. À beira da falência, já sem margem ou âncora, o desejo do outro envia-me o limite de mim. Pudera eu perder-me ali e mais perto de me encontrar, ou de Te encontrar, talvez estivesse.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
domingo, 29 de novembro de 2009
Caos
O caos é o símbolo do mundo. Mas não foi ao mundo que Ele enviou o Filho? Não foi nele, mundo, que o Filho peregrinou, mesmo que a sua peregrinação também tenha sido uma peregrinatio ad loca infecta? Não foi ao mundo que fomos enviados para que, em nosso peregrinar, exaltemos Aquele que não é deste mundo? O caos é apenas a matéria que espera o nosso operar ordenador, que nunca será apenas nosso. Nele, caos, também estão os deuses.
sábado, 21 de novembro de 2009
O eternamente necessitado
Dependente, eternamente necessitado, o viandante não cessa, em cada instante, de precisar da Sua ajuda. Se lhe lembram a autonomia, o senhorio de si, o viandante sorri e segue viagem. Nos seus lábios, um cântico de gratidão ao Senhor dos exércitos. Um soldado não deve apenas temer o seu general, terá de amá-lo e confiar-lhe, na cegueira da batalha, a vida. Do princípio ao fim.
Poemas do Viandante (62)
62. CORVO
a esquecida friagem
arrefece os olhos
de quem passa
um grito na tarde
e o corvo resvala
na fronteira
onde da vida
a morte se aparta
a esquecida friagem
arrefece os olhos
de quem passa
um grito na tarde
e o corvo resvala
na fronteira
onde da vida
a morte se aparta
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Seja feita a Vossa vontade
Seja feita a Vossa vontade. Mas quando ela vem sobre nós tão contrária ao desejo que nos habita, como pode ser tão pesada? É preciso que a Tua vontade seja feita, pois a nossa não é mais do que vontade corrompida. Mas esta corrupção é difícil de aceitar, de compreender, de avaliar segundo um mérito que não está aferido pelos nossos padrões. Agora que as circunstância manifestaram um querer que eu não quero, eu escuto "seja feita a Vossa vontade". Um silêncio dorido abre-se e uma luta entre vontades toma conta de mim.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Poemas do Viandante (61)
61. CALENDÁRIO DE ERVAS
era o tempo
em que nomeavas
as estações
calendário de ervas
segredo aberto
luz de aluvião
era o tempo
em que nomeavas
as estações
calendário de ervas
segredo aberto
luz de aluvião
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Poemas do Viandante (60)
60. FOGO E LÍRIOS
a música
pela noite
soletrada
fogo e lírios
a crescer
na pedra
pelo outono
maculada
a música
pela noite
soletrada
fogo e lírios
a crescer
na pedra
pelo outono
maculada
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