Alfons Mucha - O abismo (1887-89)
Há um certo paralelismo entre a atracção pelo abismo e a noite escura da alma, tal como é pensada pelos místicos cristãos, nomeadamente por João da Cruz. Na noite escura, o místico sente-se abandonado por Deus e toda a vida espiritual parece perder o sentido. Na atracção pelo abismo há, também, uma experiência de abandono, mas de um sinal bem diferente. O sujeito sente que abandona os mecanismos que o mantêm à superfície e que se entrega à dissolução do sentido. A ausência de sentido que tudo então apresenta deve-se à impotência do indivíduo em coordenar as suas faculdades, para que estas imponham sobre o mundo uma gramática e um léxico que suportem um sentido digno de ser vivido. Ora, entregar-se à atracção do abismo é aceitar que as suas próprias faculdades se dissolvam e, nesta dissolução, arrastem o poder do sujeito em configurar o mundo. A noite escura dos místicos é um tempo e uma experiência de purgação, a atracção pelo abismo é apenas a entrada num processo de dissipação e perda.
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