sexta-feira, 10 de maio de 2013

Dos limites da fantasia

Alexandre de Riquer - Fantasia

O discurso do senso comum, muitas vezes dinamizado por uma certa divulgação pseudo-científica, tem valorizado, para além do domínio artístico, a dimensão da fantasia. Desde a importância da fantasia na vida sexual até à sua mobilização no âmbito da publicidade e da técnica de vendas, passando pelos múltiplos usos quotidianos do fantástico, a fantasia tornou-se um vocábulo que facilmente é mobilizado como panaceia do aborrecimento e do cansaço. 

O resultado desta banalização do exercício fantástico da imaginação está longe de ser percebido. Seja a fantasia realista ou inverosímil, ela é sempre um exercício de suspensão do contacto com a própria realidade. Perante uma realidade tida como prosaica, a subjectividade recria-a, imagnariamente, à luz dos seus desejos. Esta velha propensão da humanidade para a fantasia esconde uma inconfessável impotência para acolher e maravilhar-se com a própria realidade. A usura que o olhar quotidiano sofre, impede-o de uma atenção à própria realidade. A fantasia surge, então, não como um remédio mas como uma técnica de intensificação da patologia quotidiana. 

Em diversas tradições espirituais da humanidade, e contrariamente ao que se pensa, a crítica ao desejo funda-se na fuga mundi que ele introduz através da fantasia. Essa crítica à consciência desejante não é, na verdade, uma crítica do desejo, mas ao delírio que, pela fantasia, desvia o desejo do seu objecto real. O que nessas tradições - por exemplo, na mística cristã - está em jogo não é um desvio da consciência relativamente à realidade, mas a aprendizagem de uma atenção ao que é real, como caminho que conduz ao espanto (a experiência que, segundo os gregos, leva à filosofia) perante aquilo que é, e ao deslumbramento perante a verdade.

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