segunda-feira, 21 de abril de 2008

Caminho da salvação

O que entendo quando oiço palavras como caminho da salvação? Fico perplexo e nessa confusão que me tolhe o raciocínio deixo a mente deambular até esquecer esses sons magníficos. Mas eles lá ficam, prendem o espírito com as suas curvas bamboleantes, sempre prontos para saltar para cima do viandante. Aquele que está perdido aspira a salvar-se, mas o que quererá ele salvar? Salvar-se a si? Talvez. Mas não será este si a perdição de que se quer salvar? Não há caminho da salvação para quem deambula perdido pela vida, pois encontrar um rumo ainda é perder-se nessa mesma vida e ofuscar-se no trono que então conquistará. Aquele que anda perdido apenas terá de ser perder mais e mais, ir mais fundo para além de todas as perdições, para o sítio de todos os esquecimentos. Haverá coragem para tão dura jornada?

domingo, 20 de abril de 2008

Da resistência ao elogio

Um pequeno elogio e logo o nosso querido eu se engrandece e aspira a ser maior do que a mais elevada montanha. Como aprender a não levar a sério os elogios? Como aprender a ser delicado e grato com o elogiador e ao mesmo tempo não sentir uma ponta de orgulho no risível feito que nos é atribuído? Saber que não se é nada seria o melhor caminho, mas esse saber terá de ser mais fundo do que o saber da razão, deverá ser uma saber enraizado nos intestinos e nos ossos e no coração e no sangue. Mas o bem ou a beleza presente naquilo que nos é atribuído será propriedade nossa? Aquilo que nos é mais próprio será, porventura, o que é menos nosso.

No mar da distracção

Anoitece e o dia passou e passou como todos os dias passam por mim: desperdiçado e sem fim. Perco-me a cada instante naquilo que me distrai e toda a minha vida se passa num vago mar de distracções. Pudesse eu ainda permanecer em silêncio e deixar vir um súbito desejo de oração e entregar o meu coração a algo mais do que aquilo que, fora de mim, me chama e me exige uma obediência férrea. Olho para estas horas que passaram e vejo-me passar por elas como se todo o tempo me fosse dado e nada, na frágil vontade que me coube, é capaz de dobrar a atenção e fixá-la para além dos pequenos nadas, que lançam uma cortina de fumo onde me perco e perco a vida, talvez por ter perdido há muito a luz de Deus.

A máscara colada ao rosto

Se me procuro é ainda a mim que me procuro? Não serei eu o verdadeiro obstáculo que se abre no meu caminho. Se quero ser como os outros não é para que brilhe ainda mais alto do que todos esses outros? Há muito que descobri a imensa falácia que é o meu eu, a sua impotência mundana e os desejos, talvez débeis, de me engrandecer. Caminho dividido entre tudo aquilo que, para o espectáculo do mundo, desejei ser e nunca fui, mas também dividido entre esse eu que aspira à glória dos olhares dos outros e uma secreta palavra que sopra dentro de mim, vinda sei lá de onde, e que me diz da vacuidade dos meus desejos. Sem força para sustentar uma máscara que me contente, sem força para tudo abandonar e seguir a palavra que me chama e me fala do nada onde caminho, do nada de tudo o que desejei, do nada que sou nessa busca de uma máscara que me engrandeça perante os outros e, mais do que tudo isso, me eleve aos meus próprios olhos. Mas como arrancar a medíocre máscara que o tempo, tanto tempo já, colou sobre a pele do rosto? Cada vez que tento puxá-la, uma dor absurda toma conta de mim e os instintos saltam a gritar pela noite fora.

sábado, 19 de abril de 2008

Afastamento de Deus

Às vezes sonho com um retorno a essas horas da infância onde não havia entre mim e Deus uma tão grande distância. Tudo se harmonizava nesse jardim e os meus passos, que eu não sabia serem meus ou sequer passos, caminhavam pelo mundo fora, seguros da sua meta. Um dia, sem dar por isso, tudo se perdeu, ou tudo já estaria perdido e eu ainda não o sabia, soube-o então, soube-o primeiro sem o saber e, com o passar do tempo, fui sabendo cada vez com mais ferocidade. Foi no momento eu que quis ser como os outros, como se estes fossem de alguma maneira, ou soubessem sequer o que seriam se fossem alguma coisa. Nessa hora, Deus afastou-se de mim. Minto. Nessa hora, afastei-me de Deus e a cada dia que passava mais me afastava d’Ele, até Ele não ser mais do que recordação, depois ideia ou sombra, por fim o traço que escrevo no papel ou o suspiro que sai de entre os lábios. Agora não sei o caminho de casa. Quando me dizem que essa casa nunca existiu, assinto com a cabeça, mas o meu coração recusa-se a acreditar.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Confissão

Terá a minha alma a “mais vil de todas as necessidades”, a necessidade da confissão, a de “ser exterior”? Mas a confissão, seja qual for a modalidade que tome, não será antes o reconhecer de um desconhecimento? Só se confessa aquele que se desconhece e, nesse desconhecimento, decide procurar-se. Confessar-se é construir um texto. Melhor, a confissão é um mapa do desespero e um indício da ignorância. Se escrevo como se me confessasse não é para me exteriorizar. Escrevo para descobrir um sinal, talvez uma breve indicação do caminho para mim. Não, a confissão é apenas um espelho sombrio onde a alma errante e incógnita espera descobrir o caminho que do mundo leva a si.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

A folha empurrada pelo vento

Poderei desfazer-me de mim, esquecer-me e ir estrada fora ao encontro do que vier? E o que pode vir desse lugar a que deram o nome, ouvi dizer, de nenhures? De lá é o nada que vem com as suas vestes brilhantes e acena-me com uma mão tão frágil que o meu coração quase se deixa tocar. O corpo, porém, impele-me na caminhada e ao ir vejo sempre e sempre coisas novas e com elas encho o ânimo e julgo então estar fora de perigo. Ao longe, fica nenhures, mas já nada em mim o lembra e aquela mão, que quase me tocava, nem recordação já chega a ser. Talvez não seja mais do que a folha que pelo Outono, empurrada pelo vento, se desprende e cai.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Perdido no caminho

A jornada já vai longa, mas o caminho ainda não se mostrou. Procuro aqui e ali, mas é sempre a decepção que vem. Por vezes, sigo sem saber para onde; outras, determino com exactidão a estrada. Mas perco-me sempre, como se uma luz me faltasse e o discernimento fosse tão frágil como uma caravela perdida no mar em procela. Sento-me e escrevo, escrevo sobre a falta de norte, escrevo cansado, escrevo iluminado pela chuva que lá fora se derrama sobre as avenidas. Há muito que me perdi no caminho que seria o meu, se o tivesse, ou se me fosse dado.