Alexander Rodchenko, Portrait of Mother, 1924 |
sexta-feira, 13 de setembro de 2019
Impressões 41. Mães
quinta-feira, 12 de setembro de 2019
Impressões 40. Noites
Ara Güler, Traffic on the old Galata Bridge, Turkey, 1956 |
As noites cortadas pela luz dos faróis e dos candeeiros públicos são a casa onde habitam os fantasmas que, em silêncio, nos atormentam durante o dia. São manchas indecisas de luz e trevas, grandes telas onde pintores desconhecidos pintam as sombras, súbitas ameaças que vindas das águas ocupam, até ao amanhecer, a terra firme.
quarta-feira, 11 de setembro de 2019
Poesia do Viandante (740)
terça-feira, 10 de setembro de 2019
Meditação Breve (109) Trelas
André Kertész, MacDougal Alley, New York City, 1977 |
Uma trela une o homem ao cão. Sem ela perder-se-iam um do outro. Com ela guiam-se, intermitentemente, um ao outro. Também os seres humanos desenvolvem trelas simbólicas que os unem entre si. O mal começa quando a intermitência do que guia se perde e uns tornam-se pastores e os outros ovelhas de um numeroso rebanho.
segunda-feira, 9 de setembro de 2019
sábado, 7 de setembro de 2019
O sal do silêncio (26)
Julia Margaret Cameron, Woman in Robes Reading a Book, 1870 |
Oh o abandono com que te entregas à leitura e deixas cair a mão sobre a perna. Pelos teus olhos desfilam mistérios, crimes, pequenas traições que um autor esquecido pelos dias teceu. Recolhes tudo isso no palácio do teu silêncio, para que mais tarde te rumoreje no ventre, te murmure no coração.
sexta-feira, 6 de setembro de 2019
Diálogos morais 22. No paraíso
Pierre Bonnard, Le paradis terrestre, 1916-20 |
- No paraíso não sabemos o que significa estar nu, nem o que é o frio ou o calor.
- Desejo-te, o meu corpo estremece se penso em ti.
- No paraíso nada nos falta, não temos o que desejar.
- A minha alma é uma girândola de anseios, sacia-me.
- Pensas que sou uma serpente?
quinta-feira, 5 de setembro de 2019
Poesia do Viandante (739)
quarta-feira, 4 de setembro de 2019
Diálogos morais 21. Uma questão de nome
Ruth Orkin, Tirza in the Mirror, 1952 |
- Fui feita à tua imagem e semelhança.
- Podias vir brincar para aqui.
- Não posso sair de casa, mas tu poder entrar pelo espelho.
- Impossível.
- A tua mãe não deixa? Tens medo de uma casa desconhecida?
- Não. Nada disso é problema. Só não me chamo Alice.
terça-feira, 3 de setembro de 2019
segunda-feira, 2 de setembro de 2019
Diálogos morais 20. Asas
domingo, 1 de setembro de 2019
Aparição
Sergey Borisov, Russia, 1988 |
Houve apenas duas testemunhas. Uma morreu passado dias, a
outra sou eu. Na fotografia que correu mundo, nunca se soube quem a tirou, sou
o que está perfilado. Sobre o acontecido, uns diziam que a fotografia era falsa,
outros que se estava perante uma assumpção aos céus, outros que era a chegada
de um emissário de Deus. Ninguém estava certo. A fotografia era verdadeira,
mas a pessoa, se era uma pessoa, nem descia nem subia aos céus. Formou-se ali
mesmo diante de mim. O ar tornou-se mais espesso, ganhou contornos, até que se
modelou como um ser humano. Pairou alguns minutos à minha frente, depois
caminhou pelos ares, dobrou uma esquina. Não há quem saiba o que lhe aconteceu.
sábado, 31 de agosto de 2019
Poesia do Viandante (738)
sexta-feira, 30 de agosto de 2019
O sal do silêncio (25)
Philip Jones Griffith, Group of school children with their teacher waiting to board a bus. Liverpool, 1952 |
O silêncio que cresce nos rostos e transpira para o mundo traz uma mensagem feita de rugas, sorrisos tolhidos nos lábios, olhares abertos para o invisível. Não há luz que o ilumine nem trevas que o obscureça. É um silêncio habitado por larvas inquietas que nele encontram o sossego do seu casulo.
quinta-feira, 29 de agosto de 2019
Impressões 39. Encarnação
quarta-feira, 28 de agosto de 2019
Pintura e haikus (12)
terça-feira, 27 de agosto de 2019
A espera
Edward Hopper, Summertime, 1943 |
Tinha-se apaixonado loucamente por um desconhecido, num daqueles dias de Verão em que tudo parece possível. Ele disse-lhe o nome, Godot, e que o esperasse à porta de casa. De chapéu na cabeça para enfrentar o sol, ela assim fez. As horas passaram, sem que o amado chegasse. Ela, porém, não desistiu. Passaram semanas, meses. O Verão declinou e o Outono deu lugar ao Inverno. O seu amor era de tal maneira grande que não arredou pé. Traziam-lhe comida e agasalhos, ela porém só tinha olhos para o fim da rua. As grandes chuvas não a intimidaram. Aquela era agora a sua vida. Quando Godot chegou, ela não era mais que uma fria estátua de pedra, coberta pelos grandes nevões de Fevereiro.
segunda-feira, 26 de agosto de 2019
Poesia do Viandante (737)
domingo, 25 de agosto de 2019
Diálogos morais 19. Os gémeos suicidas
Rodney Smith, Twins Leaning Outward, 1997 |
- Não me parece.
- Talvez seja arriscado mergulhar aqui.
- Sim, é um risco. Nada nos garante que não nos salvemos.
- Se eu morrer, como poderei ter a certeza que também tu morreste.
- Devolvo-te a pergunta.
- É um enigma irresolúvel. Saltas?
- Claro que sim, mas tenho um problema. O fato foi tão caro.
- Eu também salto, mas por nada deste mundo quero estragar o chapéu.
- Poderíamos tirá-los, fato e chapéu.
- Impossível, como, sem eles, saberíamos que somos nós?
- Tens razão. Aliás, o mar não me parece nada fundo.
sábado, 24 de agosto de 2019
Diálogos morais 18. Não
sexta-feira, 23 de agosto de 2019
Meditação Breve (108) O peso do passado
quinta-feira, 22 de agosto de 2019
O sal do silêncio (24)
Paul-Emile Pajot y Gilbert Pajot, A Concarneau, va- et- vient des bateaux de pêche |
Feitos da matéria dos sonhos, os barcos deslizam nas águas. Vão e vêm, empurrados pelo vento, sonhados por sonhadores dedicados, que se entregam ao sono durante o dia, para que os pescadores não desesperem retidos em terra, sem que um sonho lhes mova a embarcação.
quarta-feira, 21 de agosto de 2019
Poesia do Viandante (736)
terça-feira, 20 de agosto de 2019
Transfiguração
Giovanni Segantini, A messa prima, 1884-85 |
Era o mais popular dos sacerdotes que a paróquia já tivera.
Todas as manhãs, bem antes da primeira missa, subia as escadas da Igreja e abria-a. Aos
pobres, dava o que tinha. Vivia com pouco, apesar do muito que lhe davam. Aos
ricos, ajudava-os a suportar o fardo do egoísmo, abrindo caminhos insuspeitados
nos seus corações. Não havia quem não gostasse dele. Num domingo, porém, não o
viram subir as escadas. A porta da Igreja, chegada a hora da missa, estava
fechada. O tempo passava. Procuraram-no em casa. Não estava. Forçaram a porta do
templo. Por trás do altar, ele pendia, sotaina a escorrer sangue, de uma cruz
tosca. O rosto era o dele, mas nunca se parecera tanto com Cristo como naquela
hora.
segunda-feira, 19 de agosto de 2019
Micronarrativa (24) Aprendizagem
Stephan D. Colhoun, Laughing woman with a cup, around 1955 |
Não conteve o riso e explodiu numa gargalhada. Não sei o que mais me feriu, se o riso ostensivo, se o seio que, com o ímpeto, se desvelou. O som dessa explosão ecoou durante muitos anos dentro de mim. Talvez fosse apenas a voz da sabedoria que descia sobre mim. Naqueles dias, ainda não sabia quão ridículo é todo o amor.
domingo, 18 de agosto de 2019
Haikai do Viandante (377)
quarta-feira, 14 de agosto de 2019
Impressões 38. Memórias ancestrais
Martin Munkacsi, The Rent-Barracks, Budapest, c.1923 |
Por vezes, somos transportados para a infância. Como num sonho onde se é levado para o paraíso, damos os mãos e fazemos uma roda. Ao rodopiarmos cada vez mais rapidamente, uma música desprende-se das esferas celestes e escutamos velhas canções nascidas há muitos séculos. Sabemos cantá-las, pois em cada um de nós vive a memória ancestral da humanidade.
terça-feira, 13 de agosto de 2019
Poesia do Viandante (735)
segunda-feira, 12 de agosto de 2019
Haikai urbano (49)
domingo, 11 de agosto de 2019
A desaparecida
Edvard Munch, Summer Night´s Dream (The Voice), 1893 |
Caminhava devagar nas noites de Verão. O calor impelia-a para a rua. Só assim, dando um passeio, o temor se aquietava. Era o que dizia. Talvez não passasse de uma mera justificação. Se o não fizesse, acrescentava, a noite seria atormentada por um sonho, onde uma voz desconhecida, vinda da escuridão, chamava por ela. Mal o Verão começava, ela, temerosa, dava o seu passeio, que suspendia no primeiro dia do Outono. Estes passeios terão demorado uma década. Começaram pelos quinze anos e continuaram até ao seu desaparecimento. Numa noite quente de lua nova, saiu como habitualmente. A certa altura, todos na aldeia o confirmam, ouviu-se uma voz estranha chamar por ela. Não tornou a aparecer.
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