Odilon Redon - Port Breton
365. OS GESTOS COM QUE DESENHAVAS A LEVEZA DOS DIAS
Os gestos
com que desenhavas a leveza dos dias
tornaram-se
pesados. A tirânica ofensa trazida
pelo passar
do tempo, pelo rumor inquieto das águas,
as que
correm enfurecidas sob o véu da tempestade,
tornou-se
gelo, pedra, chumbo em teus ombros.
O fulgor que
te habitava apagou-se
e a linha do
horizonte perdeu distância.
Os barcos
não passam de sombras no mar,
onde já não
distingues neblinas e crepúsculos,
a promessa
de um mundo para lá das frias águas.
Tudo isso
estava cifrado na carne vigorosa,
uma ameaça suspensa
na verdura dos anos,
o grito do
corvo na aurora vazia do mundo.
Mas que
importa aos que exultam de saúde
a herança
sombria que transportam consigo?
O peso que
te comprime e inclina o corpo
é a vida
triunfante que, cansada do velho olhar,
corre lúcida
e bela para um novo cais.
Os barcos
virão num lampejo de céu azul
e como tu
outro sentirá o vento da primavera.