Poderemos ainda pensar o insondável que se manifesta, ao vir à linguagem, na poeticidade do poético? Se considerarmos esse insondável como um logos apofântico, cuja revelação, permitiria um regime de veridicção, afastamo-nos decisivamente desse núcleo originário de onde brota aquilo que toma forma de poema. O que toma a forma de discurso, mesmo poético, não possui a raiz nesse discurso, mas naquilo que é o prévio do discurso, nesse rumor que percorre o ser e o impele para a palavra. No entanto, esse rumor não deixa de ser o rumor do próprio logos, nessa ânsia de manifestação. Introduzir a metáfora do rumor terá alguma vantagem? Faz-nos abandonar o campo da negação, campo dado em metáforas como insondável ou inefável. Esse rumor, porém, indica ainda um acontecer e a produção (poiésis) desse acontecer. Será nos conceitos de dynamis e energeia que se abre o caminho para a poeticidade do poético. Mas o trajecto terá de ser entendido à rebours da lógica do discurso filosófico. A exploração dos conceitos de dynamis e de energeia não visa a sua definição e precisão lógico-discursiva, mas uma viagem para o domínio pré-conceptual como preparação para para o salto - trata-se efectivamente de um salto para a consciência comum e também científico-filosófica - para a experiência da dynamis (potência) e da energeia (acto). Dando, sem análise crítica, como boas as traduções canónicas por potência e acto do par dynamis e energeia, podemos dizer que há que fazer a experiência da potencialidade e da actualidade, não apenas a escuta de ambas, mas a experiência do operar agónico que as conduz e as constitui, para nós, como rumor. Aqui está já presente o logos, mas ainda não cindido e submetido a um regime de veridicção. Neste conflito e amplexo erótico, são expelidas as matérias que o poema fixa através das múltiplas estratégias da escrita poética, mas a poeticidade reside no tumulto da agonía, e o poeta vive na fronteira entre o caos agónico e o cosmos lógico-sintáctico. A inefabilidade do poema reside, aos nossos pobres olhos, no facto de ele ser ao mesmo tempo um guarda-fronteiriço e um emissário desse mundo que se subtrai, na vitória da lógica e da sintaxe, à experiência humana,
domingo, 9 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
229. POEMAS PARA AFRODITE (x)
a tua na minha
língua
é onda
mar revolto
um campo
de musgo
onde preso
me solto
sábado, 8 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
228. POEMAS PARA AFRODITE (ix)
se despida
a luz te toca
estremeço
e tudo em mim
é desejo e ânsia
e pura vontade
de morte
e recomeço
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
227. POEMAS PARA AFRODITE (viii)
deixar correr
o sémen
em teus lábios
e escutar
o murmúrio
do corpo
na cama coberta
de naufrágios
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
226. POEMAS PARA AFRODITE (vii)
se te toco
o rosto
dás-me
nessa boca
um licor de rosas
e mosto
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
225. POEMAS PARA AFRODITE (vi)
nessa distância
de mar e
assombro
deixo a língua correr
da brancura
do seio
ao fogo
do ombro
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
224. POEMAS PARA AFRODITE (v)
a mão
em teu colo
fremente
e a boca
sôfrega
repousa
na nascente
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
223. POEMAS PARA AFRODITE (iv)
adormeço
no teu corpo
e espero
a manhã
para acordar
em alvoroço
domingo, 2 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
222. POEMAS PARA AFRODITE (iii)
toco-te
a espádua
e bebo
o vinho
na tua boca
de água
sábado, 1 de outubro de 2011
Poemas do Viandante
221. POEMAS PARA AFRODITE (ii)
abandona a roupa
pelo chão
e deixa a luz
trazer
um mistério
de seda
ao império
da minha mão
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
220. POEMAS PARA AFRODITE (i)
o olhar aberto
à tua pele
o mar do corpo
à míngua
e trémulo
o ventre
respira-te ao sabor
desta língua
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
219. PROMESSA
os sonhos de água
naquelas noites
de invernia
acodem-me agora
brandos e leves –
promessas
de amor
se chega o dia
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
A Igreja e os modernos
Bento XVI, nesta sua viagem à Alemanha, relembra a necessidade de ser firme na fé contra os ventos de secularização e exprime o receio de que na Alemanha o catolicismo se protestantize, deixando ao livre-arbítrio de cada um aquilo em que quer acreditar. Referiu também que a Igreja está demasiado instalada e com pouca espiritualidade. Todos estes temas acabam por ser diversas faces de um mesmo e único problema, o da relação, ainda difícil, entre a tradição católica e a modernidade ocidental. A autonomia da consciência, a valorização da experiência, a capacidade crítica da razão, levantaram um conjunto de obstáculos à transmissão de uma tradição que, muitas vezes, se ancorou na infantilização das consciências, na negação do valor da experiência dos indivíduos e da capacidade crítica da razão. O problema não reside em que cada um acredita no que quer, isso é apenas um sintoma marginal. A questão está na experiência da fé e na entrega ao espírito sentidas como um imperativo que, em cada um de nós, constitui o seu próprio e singular mistério. Talvez a Igreja Católica esteja demasiado instalada porque perdeu o sentido último daquilo que a constitui e o substituiu por uma moralidade e por uma estética de duvidoso gosto. Nós, os modernos, com a cultura da razão que os tempos permitiram, com a autonomia da consciência que se conquistou e com o livre-arbítrio dado por Deus não precisamos tanto da Igreja - a quem manifestamente falta autoridade para falar do assunto - para aconselhamento sobre a moralidade sexual ou a política, mas precisamos de uma Igreja madura na experiência do Espírito, capaz de acolher e orientar o caminho para Deus, sabendo discernir os espíritos, digamos assim. O perigo de secularização não vem do século, mas de dentro das próprias instituições religiosas, onde parece que, há muito, tudo se tornou insípido, vulgar e banal. Basta escutar as homilias das missas dominicais. Como tocar os homens modernos se o discurso é estereotipado, vagamente moralizador, adocicado e onde não há sinal da presença do mistério que faz do homem um ser à imagem e semelhança de Deus?
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
218. TEMPO
a hora avança
traz no seio
a flor nocturna
uma luz
a casa esquecida
os bancos de pedra
sobre o tumulto
desfeito
das águas paradas
do rio
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
217. PODERES
os teus poderes
tão exíguos
balançam
ao vento norte
ressoam
são sinos
nas manhãs frias
se acaba
a primavera
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Haikai do Viandante (4)
Árvore ao vento,
traço de sombra no monte.
Uma folha cai.
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terça-feira, 13 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
216. EXÍLIO
contar estrelas
e sob o império
da lua
calcular constelações
pequenos barcos
no mar
a dor do exílio
no descampado
da vida
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
215. SOMBRAS
chega a noite
com o seu manto
de claridade
e as sombras
rosas
de cetim
quando tocadas
pela fímbria
dessa mão
domingo, 11 de setembro de 2011
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
214. PLANÍCIE
entardecem
os ramos
da figueira
e o chão sulcado
de formigas
é uma planície
de folhas mortas
sobre o teu corpo
doce e maduro
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Schubert - Jessye Norman: Ave Maria
Ave Maria! Jungfrau mild,
Erhöre einer Jungfrau Flehen,
Aus diesem Felsen starr und wild
Soll mein Gebet zu dir hinwehen.
Wir schlafen sicher bis zum Morgen,
Ob Menschen noch so grausam sind.
O Jungfrau, sieh der Jungfrau Sorgen,
O Mutter, hör ein bittend Kind!
Ave Maria!
Ave Maria! Unbefleckt!
Wenn wir auf diesen Fels hinsinken
Zum Schlaf, und uns dein Schutz bedeckt
Wird weich der harte Fels uns dünken.
Du lächelst, Rosendüfte wehen
In dieser dumpfen Felsenkluft,
O Mutter, höre Kindes Flehen,
O Jungfrau, eine Jungfrau ruft!
Ave Maria!
Ave Maria! Reine Magd!
Der Erde und der Luft Dämonen,
Von deines Auges Huld verjagt,
Sie können hier nicht bei uns wohnen,
Wir woll'n uns still dem Schicksal beugen,
Da uns dein heil'ger Trost anweht;
Der Jungfrau wolle hold dich neigen,
Dem Kind, das für den Vater fleht.
Ave Maria!
Haikai do Viandante (2)
Schubert - Pavarotti: Ave Maria
A luz cobre a terra.
Flor de seda branca e turva
poisa nas giestas.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
213. OS DIAS DE SETEMBRO
chegaram os dias
de setembro
e os teus olhos
cerram-se
na tarde
esperam ainda
a consolação
essa vida prometida
para sempre
adiada
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Haikai do Viandante (1)
Shakuhachi/Shamisen Duo
Um pássaro voa,
pedra de espuma e mar.
Floresta sombria.
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Tradição
Adão e Eva
Uma simbólica essencial inscreve-se no mito de Adão e Eva. Não dirá tanto respeito à queda, mas à tarefa de ressurreição e de emancipação que se coloca aos seres humanos na sequência da queda. Homem e mulher tornam-se um para o outro caminho, mediação, possibilidade. A consumação da feminilidade de toda a Eva passa pela mediação de Adão e vice-versa, a consumação da virilidade de qualquer Adão passa pela mediação de uma Eva. Talvez o sentido mais profundo da indissolubilidade do matrimónio não resida na proibição da separação dos casais reais, mas na indissolubilidade entre o masculino e o feminino na experiência espiritual.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
212. Floresta (XII)
não há meses
estações
fronteiras
dentro da floresta
apenas traços de água
névoa
as folhas mortas
trazidas pela vida
e o deus
que te espera
no lugar aberto
do coração
domingo, 4 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
211. Floresta (XI)
despida disseste
deixa arder
a tua língua
no meu sexo
para que entre em ti
a terra fértil
e obscura
a seiva lenta
a flutuar no fundo
do corpo –
essa lâmpada
acesa
no frio da noite
sábado, 3 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
210.
Floresta (X)
e silvas
as primeiras bagas
correm
como um rio
frágil e puro
da tua
para a água
da minha boca
raízes e ramos
e fetos e folhase silvas
as primeiras bagas
correm
como um rio
frágil e puro
da tua
para a água
da minha boca
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
Poemas do Viandante
209.
Floresta (IX)
cresce
ecoa nas folhas
zumbe
na insondável
quietude
de uma flor
ao abrir-se
sobre a terra
o silêncio
feito
de ruídoscresce
ecoa nas folhas
zumbe
na insondável
quietude
de uma flor
ao abrir-se
sobre a terra
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