terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Poemas do Viandante (73)

73. Uma erva baloiça

Uma erva baloiça
sob a luz
do vento.

Vai e vem,
leve
se arqueia,

e ao tocar a terra
ergue-se
para o firmamento.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Poemas do Viandante (72)

72. Sem rosto ou idade

Sem rosto ou idade,
sem luz na colina,
repouso na melancolia


e espero a sombra
que do poente 
leva ao meio-dia.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Propriedades

Chegar ao momento da verdade, àquela hora em que o ser e o compreender coincidem. O que sou eu? Nada, puro nada. Tudo o que trago não me pertence, tudo o que ostento foi roubado, tudo o que proclamo, plagiado. Mas será que compreendo tudo isso? Não, não compreendo. Todos dizemos coisas que não compreendemos. Quando o compreender, poderei dizer que tenho tudo e que sou o Rei do mundo. Agora, não passo de um pobre súbdito ajoujado ao peso das suas inúteis posses.

Poemas do Viandante (71)

71. No desejo da mão

No desejo da mão,
a voz da alegria.

E um grito ilumina
o que fica de cada dia.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Poemas do Viandante (70)

70. UM PUNHAL RASGA A NOITE

Um punhal rasga a noite
e canta em silêncio.

Ave de sombra,
pássaro de seda,
luz na boca que fala.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Poemas do Viandante (69)

69. SOMBRA E CLARÃO

Sombra e clarão,
sulco de pedra,

lâmpada
onde ilumino o coração.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Poemas do Viandante (68)

68. Noite, canção

Noite, canção
da floresta.

Frutos são rios.
Sonham
a flor que resta.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Poemas do Viandante (67)

67. SE TE TOCO

Se te toco,
as cordas vibrarão

e na penumbra
o frio
faz-se luar.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Poemas do Viandante (66)

66. MURMÚRIO

o murmúrio da folha ao cair
desenha um raio de luz

voz que me chama ao partir

O limite de mim

Por vezes sonho um corpo apenas para o poder desejar, e no desejo daquela pele ou de um olhar, saber-me na verdade do meu ser. À beira da falência, já sem margem ou âncora, o desejo do outro envia-me o limite de mim. Pudera eu perder-me ali e mais perto de me encontrar, ou de Te encontrar, talvez estivesse.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Poemas do Viandante (65)

65. EM VÃO

o ramo prende 
a mão

ferida aberta
no corpo

nele canto-te
em vão

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Poemas do Viandante (64)

64. ANJO

anjo perdido
na sombra 
da tarde

risco de terra
silêncio e mar

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Poemas do Viandante (63)

63. AMOR

o amor rufa
na noite

sombra de aço
toque de clarim

domingo, 29 de novembro de 2009

Caos

O caos é o símbolo do mundo. Mas não foi ao mundo que Ele enviou o Filho? Não foi nele, mundo, que o Filho peregrinou, mesmo que a sua peregrinação também tenha sido uma peregrinatio ad loca infecta? Não foi ao mundo que fomos enviados para que, em nosso peregrinar, exaltemos Aquele que não é deste mundo? O caos é apenas a matéria que espera o nosso operar ordenador, que nunca será apenas nosso. Nele, caos, também estão os deuses.

sábado, 21 de novembro de 2009

O eternamente necessitado

Dependente, eternamente necessitado, o viandante não cessa, em cada instante, de precisar da Sua ajuda. Se lhe lembram a autonomia, o senhorio de si, o viandante sorri e segue viagem. Nos seus lábios, um cântico de gratidão ao Senhor dos exércitos. Um soldado não deve apenas temer o seu general, terá de amá-lo e confiar-lhe, na cegueira da batalha, a vida. Do princípio ao fim.

Poemas do Viandante (62)

62. CORVO

a esquecida friagem
arrefece os olhos
de quem passa

um grito na tarde
e o corvo resvala
na fronteira
onde da vida
a morte se aparta

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Seja feita a Vossa vontade

Seja feita a Vossa vontade. Mas quando ela vem sobre nós tão contrária ao desejo que nos habita, como pode ser tão pesada? É preciso que a Tua vontade seja feita, pois a nossa não é mais do que vontade corrompida. Mas esta corrupção é difícil de aceitar, de compreender, de avaliar segundo um mérito que não está aferido pelos nossos padrões. Agora que as circunstância manifestaram um querer que eu não quero, eu escuto "seja feita a Vossa vontade". Um silêncio dorido abre-se e uma luta entre vontades toma conta de mim.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Poemas do Viandante (61)

61. CALENDÁRIO DE ERVAS

era o tempo 
em que nomeavas
as estações

calendário de ervas
segredo aberto
luz de aluvião

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Poemas do Viandante (60)

60. FOGO E LÍRIOS

a música
pela noite

soletrada 
fogo e lírios
a crescer
na pedra

pelo outono
maculada

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Poemas do Viandante (59)

59. PROMESSAS DE AR

as colinas viradas
ao norte
o olhar vago 

com que oiço
os pássaros

promessas de ar
numa casa 

em vendaval

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Poemas do Viandante (58)

58. DESTINO

de que serve
falar do destino?

o vinho azedou
e na mesa
o pão endurece
é a luz de agosto

domingo, 25 de outubro de 2009

Poemas do Viandante (57)

57. GOTA DE FEL


a tristeza
de um pequeno prazer

a gota de fel
que cai
e começa
a arder

Poemas do Viandante (56)

56. RUMOR

no vão 
da janela
um rumor 

de espelhos
e as folhas da acácia
abrem-se
ao entrar por ela

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Poemas do Viandante (55)

55. FOLHA DE ÁGUA

veio a sombra
e calou 

a voz do sol
espalhou
uma lâmina 

de água
sobre a erva
agora
um lençol

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O silêncio cresce

O silêncio cresce desmesurado. Uma quase impossibilidade de escrever ou de ler, um sabor amargo de indiferença por tudo o que toca o caminho. Como se as palavras se tivessem gasto e fosse impossível pegar-lhes.

Poemas do Viandante (54)

54. ACENO

o gesto
que se afoga
no calor da água

as últimas folhas
suspensas
do sol de novembro

o aceno
que me despede
na viagem

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Poemas do Viandante (53)

53. LUZ ESMAGADA

foi um longo estio

horas calcinadas
a poeira vinda do sul
e a luz esmagada abria-se
no almofariz da tua mão

sábado, 3 de outubro de 2009

Poemas do Viandante (52)

52. AMÊNDOA ACESA

que fruto agradará
ao pano suave 

de tuas mãos?

o musgo da tarde
a cambraia dos dias
a amêndoa acesa
na luz da melancolia

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Poemas do Viandante (51)

51. METÁFORA

o nome que te deram
– luz de erva
sobre campo de cinza –
chama por mim

velha metáfora
desliza na tinta
e afoga-se
na água do papel

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Poemas do Viandante (50)

50. MOSTO

do dia
trago
o rosto
e o cheiro
a uvas
preso
ao mosto