Se o mundo pode ser visto como um enorme mosteiro, como devem os homens, enquanto monges, comportar-se nele? Duas tradições podem ser observadas. Por um lado, a que deriva de Platão e vê o mundo à imagem da caverna, como um lugar de terrível ignorância e insensatez. Outra tradição, porém, recorda-nos que o mundo é o verdadeiro Jardim do Éden, e que se o não sentimos enquanto tal é porque pervertemos a relação que com ele mantínhamos e, desse modo, pervertemos a relação com Deus e com os outros homens. A tradição platónica propõem, como salvação, a viagem extra-mundana, onde a realidade tal como ela é se revelaria na sua verdade ao viajante. A tradição judaica-cristã é menos metafísica, pois sublinha que o Jardim do Éden é aqui mesmo, nesta Terra. E se esta surge aos nossos olhos como uma obscura caverna, o problema não está na Terra mas em nós que pervertemos a relação originária. Seria um equívoco pensar que a tarefa essencial residiria numa dedicação ao mundo e curar as perversões sociais e ambientais. Cabe ao homem cuidar do Jardim do Éden, mas isso significa antes do mais que lhe cabe pôr fim à relação distorcida e pervertida que ele tem com o mundo, Deus e os outros. Cuidar do Jardim do Éden começa por ser uma trabalho sobre si mesmo, uma conversão de atitude, uma abertura contemplativa sobre si, os outros, Deus e o mundo. E será este trabalho contemplativo que ensinará a cada um não apenas a ver o mundo como o Jardim do Éden, mas como deverá tratar daquilo que a vontade do Altíssimo lhe pôs ao seu cuidado. Cuidar do Jardim do Éden não é, em primeiro lugar, um projecto de acção e um plano de actividades a inscrever no curso do mundo. Pelo contrário, começa pela contemplação e toda a acção deve ainda ser não só uma emanação da contemplação, mas pura contemplação, como se em cada gesto se abrisse perante nós a revelação do sagrado.
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