Eloisa Sanz, Camino de Tilos, 1999 |
mais pequenos os dias
flutuam
na lezíria enlameada
a luz indecisa enche
de sombras
a alameda das tílias
as palavras ecoam
vozes perdidas
no dédalo do passado
Novembro de 2024
John Ruskin, A River in the Highlands, 1847 |
Daniel O'Neill, Returning home, 1956 (Gulbenkian) |
Ana Hatherly, Palma de Maiorca, 1958 (Gulbenkian) |
Sob o céu cinzento
paisagens de azul e verde.
Árvores e vento.
Camille Corot, Italian lanscape near Marino in Autumn, 1826-27 |
germinou a semente do outono
as folhas caem
um frémito na fronteira da
tarde
vieram intermitentes as chuvas
tocam as ruas da cidade
abrem sulcos no cenário da
memória
uma música estelar desprende-se
da harmonia dos céus
ilumina o silêncio da alma abandonada
Outubro de 2024
Candido Portinari, Fumo, 1936 (Gulbenkian) |
António Soares, sem título, 1940 (Gulbenkian) |
Gregorio Prieto Muñoz, Aranjuez, 1918-1919 |
deixo-me levedar ao sol da manhã
cresço para o esquecimento
ou para a vereda da eternidade
a música das glicínias abre o
jardim
caminho ao ritmo das flores
e bebo a água azul dos poços
os dias são agora uma oração erguida
sobre os abismos da noite
e os sonhos cegos da madrugada
Outubro de 2024
Carlos Calvet, sem título, 1967 (Gulbenkian) |
Alfred Eisenstaedt, Couple in Penn Station sharing farewell embrace before he ships off to war during WWII, 1943 |
Fernando Calhau, sem título #375 (Gulbenkian) |
Ralph Gibson, The Sketch, 1975 |
Caspar David Friedrich, Autumn, 1826 |
são os silêncios do outono
a súbita água
na ânsia da aurora
folhas despedem-se
do rumor dos ramos
abrem-se no húmus da terra
os pássaros partiram para o sul
levam na vertigem do voo
a sombra do verão
Outubro de 2024
E. F. Withmore, Black Brook Notch, 1890 |
Van Gogh, Pollard Willows with Setting Sun, 1888 |
Luís Noronha da Costa, Mar Português, 1982 (Gulbenkian) |
Maria Benamor, A Memória e o Sonho, 1971 (Gulbenkian) |
José Júlio Andrade dos Santos, Paisagem (A Cidade Branca), 1951 |
Uma cidade parada sob a noite, maculada pelas sombras que lhe trarão o negro dos sonhos e a ânsia pelo despontar da aurora, para que, rua a rua, casa a casa, recupere a brancura ancestral, a pureza de virgem que o passar do dia ocultou no véu lutuoso de um crepúsculo moribundo.
Carlos Calvet, sem título, 1967 (Gulbenkian) |
Regressou de rompante o Verão.
Crescem fogos, florestas a
arder
contaminam os corpos, e as
almas
frágeis urdem severos
desesperos.
Tudo arde na viva luz da tarde,
as imagens passadas resplandecem
no futuro a vir, no presente
ávido
de encontrar o caminho
destinado.
Um suspiro final, pura vingança
feita fogo e fumo, as frias
cinzas
do Outono a chegar enlouquecido.
Sem destino, os corpos em vão
buscam,
no incêndio da noite, as almas
puras
que lhes cabem na senda da
floresta.
Maio de 2024
Francis Smith, Largo de aldeia (Petite place au Portugal), 1954 (Gulbenkian) |
Querubim Lapa, sem título, 1948 (Gulbenkian) |
Lucien Clergue, Maïs, Camargue, 1960 |
León Kossoff, Christ Church, Spitafields, Summer, 1990 |
Caminhamos no sulco que outrora
foi rasgado na terra em
silêncio
pelas mãos de quem veio antes
de nós
e nas sombras do Estio se
recolheu.
Murmuramos os nomes e tecemos
com a voz litanias e orações.
Damos graças e vamos pela senda
que se abriu na memória
descerrada.
Devedores, colhemos flor e
fruto.
Devedores, clamamos as
vitórias.
Devedores, erguemos o espírito.
Somos sombras de sombras mais
antigas.
Mortas, guiam os nossos passos
rudes
nos caminhos por elas lacerados.
Pedro Chorão, sem título, 1977 (Gulbenkian) |