domingo, 11 de abril de 2010
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Poemas do Viandante (83)
Salvador Tuset - Anticoli (1913)
83. Junho
Junho
abre-se.
Refúgio
de luz,
ardor
de rosa,
incêndio
de matagal.
domingo, 4 de abril de 2010
Poemas do Viandante (82)
Pablo Picasso - Cabeça de Fauno (1937-1938)
82. Ausentou-se
Ausentou-se,
perdeu o limiar
e a voz ecoou
na noite desabrigada.
Ao ir pelo mundo,
o viandante rodopia
no centro da vida.
Fauno nas trevas,
anjo sobre a cidade,
a escura luz
destes versos.
sábado, 3 de abril de 2010
Poemas do Viandante (81)
Christian Bérard - The Seventh Symphony. A Bird (1938)
81. Um animal ferido
Um animal ferido
tomba
pelo chão,
entre juncos
de sombra
e ervas abertas
para a luz.
Pobre orquídea
de fogo
e penumbra,
pássaro caído
na véspera do verão.
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Páscoa e tempo
O mistério pascal, a morte e a ressurreição. Por vezes, diz-se "tempo de Páscoa", mas nunca se percebe nessa declaração a tautologia aí presente. Pensamos que há um tempo de Páscoa, outro de Natal, um de Carnaval, ou pensamos em tempos profanos, como aqueles onde, nos dias de hoje, decorre a vida dos homens. Isso ajuda-nos a falhar a compreensão da tautologia. Entre cada instante e a Páscoa cristã há uma semelhança que talvez seja pertubadora. A Páscoa dos cristãos é marcada pela morte de Cristo e a sua ressurreição. Ora esta narrativa plasmada no tempo, entre sexta-feira e domingo de madrugada, permite apreender a essência do instante temporal. Nas Confissões (IX, 14), Agostinho de Hipona, enfrenta o tempo com uma aporia: "Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a perguntar, já não sei." Uma aporia é o sintoma de uma dificuldade, quando não de um mistério.
O que acontece a cada instante é uma morte e uma ressurreição. Na cruz do instantes (cruz, pois lá se cruzam passado e futuro) crucifica-se o ser que somos mas que deixamos de ser, morremos para o que fomos, que passa a ser apenas memória e passível de rememoração. Mas essa morte é a condição de possibilidade da vida que está a chegar. Morremos e ressuscitamos, instantaneamente. A Páscoa ao sacralizar esse instante de morte e ressurreição dá-lhe uma dimensão absoluta. Na mais relativa das relatividades, o instante, encontramos a dimensão do absoluto. Ao morrermos, ressuscitamos para a eternidade. Esta já está aí, embora sejamos cegos para o que está aí. A Páscoa talvez não seja mais do que um exercício de abertura dos olhos ou de focalização do olhar.
domingo, 21 de março de 2010
Poemas do Viandante (80)
Claude Monet - The Red Kerchief: Portrait of Camille Monet (1860-70)
80. Sob a sombra
Sob a sombra,
um desejo
de água,
promessa
de noite,
se demoras.
E assim fico
no vidro
da manhã,
esperando
o sono,
contando
as horas.
terça-feira, 9 de março de 2010
Poemas do Viandante (79)
George Inness - Twilight (1860)
79. Veio o crepúsculo
Veio o crepúsculo
no dorso da tarde
e pediu pão e vinho.
Saciado, levantou-se,
ergueu os olhos
para a noite
e, como uma rosa,
em silêncio se despediu.
segunda-feira, 8 de março de 2010
Poemas do Viandante (78)
Martin Johnson Heade - Approaching Thunderstorm (1859)
78. Das nuvens
Das nuvens,
o silêncio
do entardecer.
Tão húmido
e tão frio,
desliza na voz
que o vai trazer.
segunda-feira, 1 de março de 2010
Poemas do Viandante (77)
77. Penumbra
Penumbra
de silêncio
e fogo.
Alegria
de sombra,
um cavalo
de sangue.
A voz
que oiço
e logo calo.
Penumbra
de silêncio
e fogo.
Alegria
de sombra,
um cavalo
de sangue.
A voz
que oiço
e logo calo.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Poemas do Viandante (76)
76. Despes as palavras
Despes as palavras.
Em cada sílaba
sopra o vento.
E tudo flutua,
a dor ao relento,
ou a seda rasgada
que te deixa branca,
leve e nua.
Despes as palavras.
Em cada sílaba
sopra o vento.
E tudo flutua,
a dor ao relento,
ou a seda rasgada
que te deixa branca,
leve e nua.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Poemas do Viandante (75)
75. Um império
Um império
de ervas e
tormentos,
um fulgor
de sedas,
um anjo
que desliza
e trémulo
voa na praia
do esquecimento.
Um império
de ervas e
tormentos,
um fulgor
de sedas,
um anjo
que desliza
e trémulo
voa na praia
do esquecimento.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Poemas do Viandante (74)
74. Os dias
Os dias
onde tudo era
água.
Uma rosa
abria-se
no quintal
e a dor crescia
vinda
no vendaval.
Os dias
onde tudo era
água.
Uma rosa
abria-se
no quintal
e a dor crescia
vinda
no vendaval.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Poemas do Viandante (73)
73. Uma erva baloiça
Uma erva
baloiça
sob a luz
do vento.
Vai e vem,
leve
se arqueia,
e ao tocar a terra
ergue-se
para o firmamento.
sob a luz
do vento.
Vai e vem,
leve
se arqueia,
e ao tocar a terra
ergue-se
para o firmamento.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Poemas do Viandante (72)
72. Sem rosto ou idade
Sem rosto ou idade,
sem luz na colina,
repouso na melancolia
e espero a sombra
que do poente
leva ao meio-dia.
domingo, 24 de janeiro de 2010
Propriedades
Chegar ao momento da verdade, àquela hora em que o ser e o compreender coincidem. O que sou eu? Nada, puro nada. Tudo o que trago não me pertence, tudo o que ostento foi roubado, tudo o que proclamo, plagiado. Mas será que compreendo tudo isso? Não, não compreendo. Todos dizemos coisas que não compreendemos. Quando o compreender, poderei dizer que tenho tudo e que sou o Rei do mundo. Agora, não passo de um pobre súbdito ajoujado ao peso das suas inúteis posses.
Poemas do Viandante (71)
71. No
desejo da mão
No
desejo da mão,
a voz da alegria.
a voz da alegria.
E um grito ilumina
o que fica de cada dia.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Poemas do Viandante (70)
70. UM PUNHAL RASGA A NOITE
Ave de sombra,
Um punhal rasga a noite
e canta em silêncio.
e canta em silêncio.
Ave de sombra,
pássaro de seda,
luz na boca que fala.
domingo, 3 de janeiro de 2010
Poemas do Viandante (69)
69. SOMBRA E CLARÃO
Sombra e clarão,
sulco de pedra,
lâmpada
onde ilumino o coração.
Sombra e clarão,
sulco de pedra,
lâmpada
onde ilumino o coração.
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Poemas do Viandante (68)
68. Noite, canção
Frutos são rios.
Noite, canção
da floresta.
da floresta.
Frutos são rios.
Sonham
a flor que resta.
a flor que resta.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Poemas do Viandante (67)
67. SE TE TOCO
Se te toco,
as cordas vibrarão
e na penumbra
o frio faz-se luar.
Se te toco,
as cordas vibrarão
e na penumbra
o frio faz-se luar.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Poemas do Viandante (66)
66. MURMÚRIO
o murmúrio da folha ao cair
desenha um raio de luz
voz que me chama ao partir
o murmúrio da folha ao cair
desenha um raio de luz
voz que me chama ao partir
O limite de mim
Por vezes sonho um corpo apenas para o poder desejar, e no desejo daquela pele ou de um olhar, saber-me na verdade do meu ser. À beira da falência, já sem margem ou âncora, o desejo do outro envia-me o limite de mim. Pudera eu perder-me ali e mais perto de me encontrar, ou de Te encontrar, talvez estivesse.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
domingo, 29 de novembro de 2009
Caos
O caos é o símbolo do mundo. Mas não foi ao mundo que Ele enviou o Filho? Não foi nele, mundo, que o Filho peregrinou, mesmo que a sua peregrinação também tenha sido uma peregrinatio ad loca infecta? Não foi ao mundo que fomos enviados para que, em nosso peregrinar, exaltemos Aquele que não é deste mundo? O caos é apenas a matéria que espera o nosso operar ordenador, que nunca será apenas nosso. Nele, caos, também estão os deuses.
sábado, 21 de novembro de 2009
O eternamente necessitado
Dependente, eternamente necessitado, o viandante não cessa, em cada instante, de precisar da Sua ajuda. Se lhe lembram a autonomia, o senhorio de si, o viandante sorri e segue viagem. Nos seus lábios, um cântico de gratidão ao Senhor dos exércitos. Um soldado não deve apenas temer o seu general, terá de amá-lo e confiar-lhe, na cegueira da batalha, a vida. Do princípio ao fim.
Poemas do Viandante (62)
62. CORVO
a esquecida friagem
arrefece os olhos
de quem passa
um grito na tarde
e o corvo resvala
na fronteira
onde da vida
a morte se aparta
a esquecida friagem
arrefece os olhos
de quem passa
um grito na tarde
e o corvo resvala
na fronteira
onde da vida
a morte se aparta
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Seja feita a Vossa vontade
Seja feita a Vossa vontade. Mas quando ela vem sobre nós tão contrária ao desejo que nos habita, como pode ser tão pesada? É preciso que a Tua vontade seja feita, pois a nossa não é mais do que vontade corrompida. Mas esta corrupção é difícil de aceitar, de compreender, de avaliar segundo um mérito que não está aferido pelos nossos padrões. Agora que as circunstância manifestaram um querer que eu não quero, eu escuto "seja feita a Vossa vontade". Um silêncio dorido abre-se e uma luta entre vontades toma conta de mim.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Poemas do Viandante (61)
61. CALENDÁRIO DE ERVAS
era o tempo
em que nomeavas
as estações
calendário de ervas
segredo aberto
luz de aluvião
era o tempo
em que nomeavas
as estações
calendário de ervas
segredo aberto
luz de aluvião
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