quinta-feira, 24 de setembro de 2020

A pianista

Emmerico Nunes, sem título, 1908

Entre todos os salões que frequentei havia um especial. Nele, uma pianista dava um pequeno recital. Nunca passava de meia-hora. Todos diziam ser perfeita a sua técnica e grande o talento com que nos fazia imaginar as mais diversas cenas. Muitas vezes me senti numa paisagem bucólica ou experimentei a vertigem causada pelo perigo que nos espreita no mar ou no alto de uma montanha escarpada. A última vez senti-me um gato. O pior é que os outros convivas passaram a ignorar-me ou enxotavam-me com rudeza. Se lhes dirigia a palavra, clamavam que o gato não parava de miar. Mesmo a dona da casa chegou a pegar-me ao colo, o que me desconcertou, e fazia-me festas como se eu ronronasse. 
 

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